Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Potente, 'BR-Trans' critica violência a transexuais

Alguns espetáculos de perfil político-discursivo causam impacto porque são contundentes naquilo que se propõem a defender ou atacar. Outros, e este é o caso de "BR-Trans", criado por Silvero Pereira e Jezebel de Carli, conseguem mais, fazem o discurso abrir-se para sequências de enigmas. Esses valem mais a pena.

Num primeiro olhar, o solo em que Pereira incorpora travestis e transexuais tem um grande defeito: denuncia a violência contra pessoas –cujas identidades são expostas a partir de pesquisa documental– mas deixa de deslocá-las do papel chapado de vítimas; permanecem subdesenvolvidas as sugestões de perfis mais complexos do que os que são apresentados.

Entraremos em contato com a ternura de uma presidiária, por exemplo, mas sairemos do espetáculo sabendo pouco sobre o crime que cometeu.

Importa? Sim, na medida em que uma construção de vulto psicanalítico acaba restrita ao plano moral e ético –e ainda que se revele ali um mito esfacelado pelo contexto histórico, o mito da Geni, que serve para apanhar e que "é feita" para cuspir.

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 24-09-2015, 17h00: BR TRANS. Ensaio do espetaculo BR-Trans, de Silverio Pereira. A peca e resultado de uma pesquisa desenvolvida a partir de experiencias reais de transexuais e travestis de todo o pais. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO FSP***
Silvero Pereira em ensaio de "BR-Trans"

A peça termina com número dedicado à personagem de Chico Buarque.

Apesar da restrição, as transformações a que Pereira se submete, aos olhos da plateia, subentendem um estado de conflitos de gêneros e de personalidades, com recuos e avanços íntimos desferindo golpes na realidade.

Pereira tem um talento colossal de transmutar-se, mas não como fazem os bons atores na tradição do drama, como fazia por exemplo Marco Nanini em "O Mistério de Irma Vap". Pereira é performático, entra em contato com seus entrevistados para roubar-lhes algo. E de fato rouba, digere, deixa moldar-se pelo estranho, como uma argila humana. A natureza é de tornar-se e não de interpretar.

É possível compreender a peça como um acidente, criado a partir do desejo de reter memórias prestes a serem apagadas pela intolerância.

As imagens de travestis assassinados e a exposição de números inaceitáveis de violência aparecem como ruídos graves diante da imagem de um sujeito disposto à graça, e que expressa dramas e desejos dublando músicas de Maria Bethânia, Lana Del Rey.

O acidente está na irrupção de uma liturgia cênica que apresenta o intérprete transformado pelo próprio papel, preso à armadilha de afastar de si a possibilidade de um olhar crítico sobre figuras reais, em um espetáculo de perfil documental. Um trabalho manco, e ainda assim bastante potente.

BR-TRANS
QUANDO qui., sex. e sáb, às 21h, dom., às 19h; até 18/10
ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
QUANTO R$ 7 a R$ 25
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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