Folha de S. Paulo


Jacques Fux produz 'Ilíada' da impotência no livro 'Brochadas'

James Joyce contempla a "gradual elevação" em "Ulysses". Hannah Arendt filosofa sobre a "fuga à impotência". O Falstaff que Shakespeare cria em "As Alegres Comadres de Windsor" desabafa: está "de crista caída, como pera seca".

E, por fim, o escritor mineiro e matemático de formação Jacques Fux, que diz sobre si: "Apesar de só falar nisso, nunca, nunca brochou de fato".

"Brochadas - Confissões Sexuais de um Jovem Escritor", segundo livro de Fux, 38, que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura em 2013 por "Antiterapias", vai direto ao ponto.

No que define ser sua "'Ilíada' da impotência", o escritor investiga a angústia que acompanha homens e mulheres desde priscas eras. Em 240 páginas, intercala "dados históricos" e "pesquisas empíricas" sobre o tema. E de cara já avisa: "Tudo aqui é verdade, exceto o que não invento".

Alexandre Rezende/Folhapress
BELO HORIZONTE, MG, BRASIL, 15-09-2015, 16:30h. Jaques Fux, autor do livro Brochadas, fotografado em seu apartamento. Fux é autor de
Jaques Fux em sua casa em Belo Horizonte

Fux segue a linha de Jorge Luis Borges (1899-1986) e Enrique Vila-Matas, escritores que nunca fizeram questão de esclarecer quais citações e situações narradas em suas obras são "de verdade".

Ele dedica capítulos a supostas ex-amantes para elencar todas as vezes em que "Jacozinho" (assim chama seu pênis na obra) o deixou na mão –de Alice, a da "chapinha nos pelos pubianos", a Deborah, que tinha uma "fedentina" que não o agradava.

"Acabei me tornando um cara muito democrático", escreve. "Brochava com diferentes raças, etnias, religiões. Pelas manhãs, já que estava com muito sono. À tarde, pois era a hora da siesta, e à noite, já que estava cansado demais."

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A cada episódio segue uma troca de e-mail entre o eu lírico e a ex na berlinda, avisada sobre a inclusão de sua história no livro. As respostas não são amistosas –uma o acusa de estar "roubando, usurpando, falsificando e sacaneando as pessoas que são reais".

Não importa cravar se essas garotas de fato existiram ou se ele inventou tudo, diz Fux. Ao enroscar ficção e realidade, cria um paralelo entre a brochada literal e a literária. Para tanto, reveza a ascensão e queda de Jacozinho com referências históricas à perda da ereção –algumas confessadamente "subvertidas" por ele.

"Tenho certeza absoluta de que Hitler era brocha (e pior, não circuncidado). A minha teoria complementa a de Wilhelm Reich, que dizia que o nazismo e o stalinismo teriam nascido da falta cultural de orgasmo", ele afirma na obra.

"Talvez, neste mundo contemporâneo onde as pessoas não podem falhar, seja importante levantar o assunto", diz à Folha. Fux elege "a liberdade de brochar como moral da história" –a própria e a da humanidade como um todo.

A CASA CAIU

Já na largada, Fux faz uma "tentativa de esgotamento do motivo das brochadas". Ele conta ter iniciado a pesquisa para o livro no pós-doutorado em literatura em Harvard. Perguntava a colegas, pelo aplicativo de mensagens Whatsapp: "O que brocha você?".

Para eles: "Bundas murcha, flácida, caída ou grande demais; fedor; camisinha apertada; dar um apelido ao pênis que o homem não gosta; cabelo no bico do peito; trair a mulher que ama; pensar na mãe; tudo isso junto".

Para elas: "Pinto pequeno ou grande demais; homem que não quer te beijar depois de feito sexo oral nele; erros de português nas mensagens; dar apelido à vagina; homem que bate forte demais; homem que não bate; nada disso".

Alexandre Rezende/Folhapress
BELO HORIZONTE, MG, BRASIL, 15-09-2015, 16:30h. Jaques Fux, autor do livro Brochadas, fotografado em seu apartamento. Fux é autor de
Jaques Fux, autor do livro "Brochadas", fotografado em seu apartamento

É possível varar séculos à caça dessa resposta. Fux pinçou de "O Tribunal da Impotência", de Pierre Darmon, um de seus casos prediletos, passado na França do século 16: a mulher que recorreu à Justiça para anular o casamento após o marido falhar na cama. "Na corte, o cara tinha que ficar duro diante uma comissão de três pessoas. Imagina!"

Em sua investigação, descobriu que "brochada" (também aplicável a um estado de espírito ou um adjetivo, como dizer que algo é "brochante") é um termo ainda mais difícil de traduzir para outras línguas do que "saudade". "Em inglês você fala 'longing', quase o mesmo sentido de saudade, mas 'brochar' é o único. 'Turn-off' não funciona muito bem."

Aponta também um "desencanto" que vai além do declive fisionômico –a relação do homem com um mundo hostil e violento. "Com o 'Mal do Século' na literatura francesa, você pode fazer essa leitura da impotência em relação ao outro, à vida", afirma.

Para o mineiro, melancolia refletida em "Ontem", poema de Carlos Drummond de Andrade que começa assim: "Até hoje perplexo/ Ante o que murchou/ E não eram pétalas". Assombro que Hilda Hilst, diz Fux, pode ter solucionado em excerto de "O Caderno Rosa de Lori Lamby" (1990): "Que bom que as pessoas têm línguas e têm dedo".

BROCHADINHAS Quatro escritores convidados criam microtextos sobre a impotência

Zanone Fraissat/Folhapress
PARATY/RJ BRASIL. 03/07/2015 - Mesa os imoraes com mediacao de Daniel Benevides e participacao de Eliane Robert Moraes e Reinaldo Moraes no Terceiro dia da FLIP, Feira Literária de Paraty.(foto: Zanone Fraissat/FOLHAPRESS, ILUSTRADA)***EXCLUSIVO***
O escritor Reinaldo Moraes enviou um haicai de brinde

REINALDO MORAES
Enviou um trecho de seu livro 'O Cheirinho do Amor' e, 'de brinde', um haicai
>> Ao broxar, convém encarar a coisa com certo humor, que é pra descontrair o ambiente e facilitar uma eventual segunda tentativa. Não custa arriscar as gags consagradas, tais como 'Nossa, deve ser alguma coisa que eu não comi!'. Ou 'Não liga, não. Ele faz isso só pra chamar a atenção'.

>> Com xis ou com ce-agá
brochou, tá broxado,
deixa pra lá.

JULIANA FRANK
Sugeriu uma pílula –não a azul– sobre o tema
>> O passado bate uma punheta na minha fechadura. Mais uma vez digo não a uma foda que não poderia ter acontecido nem na literatura.

MARIO PRATA
Optou por 'psicografar' Camões
>> Genésio abriu a porta, cumprimentou-me e sacramentou-se:
–Meu fim está próximo, meu jovem: estou a brochar até numa mísera punheta. Tomas algo?

Avener Prado/Folhapress
SÃO PAULO, SP, 29.06.2015: LIVRO-LANÇAMENTO - A publicitária, roteirista e escritora, Tati Bernardi, no lançamento do livro
A publicitária, roteirista e escritora, Tati Bernardi separou frases de Hemingway para o livro de Jacques Fux

TATI BERNARDI
Fez um 'the best of Ernest Hemingway' com 'frases sugestivas' do autor
>> O homem nunca deve se pôr em posição em que perca o que não pode se dar ao luxo de perder.
>> Me encanta dormir, minha vida tem a tendência de desmoronar quando estou desperto.
>> Faça sempre lúcido o que você disse que faria bêbado.

BROCHADAS
AUTOR Jacques Fux
EDITORA Rocco
QUANTO R$29,50 (240 págs.)


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