Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Panfletário e acrítico, 'Que Horas Ela Volta?' é caricatura mediana do país

Em "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert, Val (Regina Casé) é uma empregada doméstica que "dorme no serviço". No caso, uma mansão do Morumbi (e se é mansão, segundo a obviedade que permeia o filme, tem de ser no Morumbi).

Seu cotidiano muda quando recebe a filha Jéssica (Camila Márdila), vinda de Pernambuco para prestar vestibular. Jéssica vai provocar um rebuliço porque não se comporta de acordo com regras sociais impostas de cima para baixo. Ela chega até a tomar o sorvete de Fabinho, o filho mimado dos patrões.

O filme tem seu maior trunfo no naturalismo habilmente alcançado em algumas passagens. Sobretudo nas conversas entre Val e Jéssica ou entre Val e outras empregadas.

Daí a merecer essa quase unanimidade por aqui, além dos elogios rasgados alhures, tem uma grande distância.

Oscar Wilde dizia que para ser artista de verdade é necessário ter espírito crítico. Pois é justamente isso que está ausente no filme de Muylaert.

As atrizes estão bem, mas interpretam personagens que não passam de peças de propaganda governista: Jéssica representa o Brasil atual, Val (e todos os outros personagens), o Brasil antes de Lula.

Em dado momento, a patroa diz algo como "nossa, o país mudou mesmo", reagindo à notícia de que Jéssica prestará vestibular para a USP. É frase de panfleto político.

Alguns planos situam o filme na esfera do grotesco. Vemos o espanto dos que ainda não se acostumaram com quem rompe barreiras sociais.

E por que em dois momentos importantes com Camila Márdila só a vemos de perfil?

São falhas gritantes, entre outras, que prejudicam a dramaturgia e fazem com que o filme seja só uma caricatura mediana de um país caricatural por excelência.


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