Em 1989, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, uma apresentação do italiano Dario Fo, dramaturgo, ator e quase tudo mais no palco, maravilhou uma geração do teatro.
Na plateia do hoje esquecido teatro Mars, lotada de atores, diretores e outros, estava Dan Stulbach, 18, que queria ser engenheiro, mas também ator. Ele e outros estudantes, sem convite, foram colocados para dentro pelo autor, que gritava, abrindo caminho, "Studanti!".
Sentou-os no próprio palco, deixando livre um pequeno círculo para apresentar seu solo "blasfemo", no dizer da Igreja Catolica à época, "Mistero Buffo". Nesta quarta (23), Stulbach, hoje com 45, estreia, ao lado de Henrique Stroeter e outros, "Morte Acidental de um Anarquista", de Fo, dirigido por Hugo Coelho.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Atores Henrique Stroeter (esq.), Dan Stulbach e Riba Carlovich em "A Morte Acidental de um Anarquista" |
"Cara, sempre ficou marcada na minha cabeça aquela apresentação", diz Stulbach, que um ano depois estrearia em "Peer Gynt" no teatro Sérgio Cardoso, "do outro lado da rua". Diz que o teatro o despertou naquele dia, o que ele vai tentar fazer agora com outros.
Stulbach e os colegas copiam até detalhes daquela data, como conversar antes com o público e descrever toda a trama. Fo "te deixava livre para viajar com ele", o que eles pretendem alcançar agora, descrevendo a história do louco que se passa por juiz, numa delegacia.
A peça é conhecida no Brasil, onde o mesmo personagem foi feito por Antonio Fagundes nos anos 1980 –quando foram encenadas, também do italiano, "Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico", com Denise Stoklos, e "Brincando em Cima Daquilo", com Marília Pêra.
Abordando perseguição política –o caso verdadeiro do suposto suicídio de um anarquista– num momento de crescente oposição à ditadura brasileira, a montagem se celebrizou por cenas como aquela em que o protagonista citava o "governo", dirigindo-se ao público, que completava: "Filho da puta!".
ARROTO LIBERTATÓRIO
Hoje, "Morte Acidental de um Anarquista" vai por outra chave, descreve o novo protagonista. "Os juízes nunca tiveram tanta importância como têm agora. São os caras que decidem tudo. São os nossos heróis e vilões. Então, a gente fez em cima do escândalo [da Operação Lava Jato]."
Ao mesmo tempo, sublinha Stulbach, sem esquecer a transitoriedade dos escândalos no Brasil. "O escândalo dá um auê, todo mundo bota tudo para fora e daí ele passa. Vem outro, bota tudo para fora... Ele é o sal de frutas da democracia. É uma fala do Dario Fo que eu adoro. 'O arroto libertatório!'"
Ouvido sobre o elo da nova montagem com os escândalos contemporâneos, Fagundes aprova: "Ah, que bom, está precisando, né". Embora já tenha testado até citar nomes como "José Dirceu", nos muitos ensaios abertos realizados, Stulbach não revela se estreia com a versão mais tópica.
Como característico em Fo, o texto é aberto a essa constante atualização. O autor fez a sua primeira versão em 1970, um ano após o caso verdadeiro do anarquista na Itália, depois alterou bastante para a segunda, em 1972, e mais ainda para uma edição em livro, três anos depois.
"A Franca Rame [mulher de Fo, também atriz e dramaturga] é que juntava, porque o cara escrevia cenas, ia botando os acontecimentos de cada ano e dando para os atores", diz Stulbach. Remetia assim à commedia dell'arte, gênero popular dos séculos 15 e 16 na Itália.
O vínculo do ator e dramaturgo italiano com a improvisação permanente, em seu resgate da tradição teatral das ruas e feiras, não impressionou apenas os jovens atores de São Paulo. Em 1997, foi parte das razões apresentadas para que ele recebesse o Nobel de Literatura.
Aos 89 anos, Dario Fo prossegue em sua trilha popular, mas também sempre político e à esquerda, mais recentemente vinculado –como um patriarca– ao movimento radical do também comediante, tornado importante líder partidário, Beppe Grillo. Sobre a peça, descreve-a como "uma farsa grotesca sobre uma farsa trágica", a morte real de um anarquista.
MORTE ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA
QUANDO qua. e qui., às 21h; até 10/12
ONDE Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, região central, tel. (11) 3226-7300
QUANTO R$ 40 e R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 12 anos