Folha de S. Paulo


Com Dan Stulbach, 'Morte Acidental de Um Anarquista' atualiza texto de Dario Fo

Em 1989, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, uma apresentação do italiano Dario Fo, dramaturgo, ator e quase tudo mais no palco, maravilhou uma geração do teatro.

Na plateia do hoje esquecido teatro Mars, lotada de atores, diretores e outros, estava Dan Stulbach, 18, que queria ser engenheiro, mas também ator. Ele e outros estudantes, sem convite, foram colocados para dentro pelo autor, que gritava, abrindo caminho, "Studanti!".

Sentou-os no próprio palco, deixando livre um pequeno círculo para apresentar seu solo "blasfemo", no dizer da Igreja Catolica à época, "Mistero Buffo". Nesta quarta (23), Stulbach, hoje com 45, estreia, ao lado de Henrique Stroeter e outros, "Morte Acidental de um Anarquista", de Fo, dirigido por Hugo Coelho.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Sao Paulo, SP. Brasil. Data 17-09-2015. Espetaculo A morte acidental de um anarquista, Atores Henrique Stroeter (esq), Dan Stulbach (roupa quadriculada) e Riba Carlovich (colete e a dir). Teatro Porto Seguro. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
Atores Henrique Stroeter (esq.), Dan Stulbach e Riba Carlovich em "A Morte Acidental de um Anarquista"

"Cara, sempre ficou marcada na minha cabeça aquela apresentação", diz Stulbach, que um ano depois estrearia em "Peer Gynt" no teatro Sérgio Cardoso, "do outro lado da rua". Diz que o teatro o despertou naquele dia, o que ele vai tentar fazer agora com outros.

Stulbach e os colegas copiam até detalhes daquela data, como conversar antes com o público e descrever toda a trama. Fo "te deixava livre para viajar com ele", o que eles pretendem alcançar agora, descrevendo a história do louco que se passa por juiz, numa delegacia.

A peça é conhecida no Brasil, onde o mesmo personagem foi feito por Antonio Fagundes nos anos 1980 –quando foram encenadas, também do italiano, "Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico", com Denise Stoklos, e "Brincando em Cima Daquilo", com Marília Pêra.

Abordando perseguição política –o caso verdadeiro do suposto suicídio de um anarquista– num momento de crescente oposição à ditadura brasileira, a montagem se celebrizou por cenas como aquela em que o protagonista citava o "governo", dirigindo-se ao público, que completava: "Filho da puta!".

ARROTO LIBERTATÓRIO

Hoje, "Morte Acidental de um Anarquista" vai por outra chave, descreve o novo protagonista. "Os juízes nunca tiveram tanta importância como têm agora. São os caras que decidem tudo. São os nossos heróis e vilões. Então, a gente fez em cima do escândalo [da Operação Lava Jato]."

Ao mesmo tempo, sublinha Stulbach, sem esquecer a transitoriedade dos escândalos no Brasil. "O escândalo dá um auê, todo mundo bota tudo para fora e daí ele passa. Vem outro, bota tudo para fora... Ele é o sal de frutas da democracia. É uma fala do Dario Fo que eu adoro. 'O arroto libertatório!'"

Ouvido sobre o elo da nova montagem com os escândalos contemporâneos, Fagundes aprova: "Ah, que bom, está precisando, né". Embora já tenha testado até citar nomes como "José Dirceu", nos muitos ensaios abertos realizados, Stulbach não revela se estreia com a versão mais tópica.

Como característico em Fo, o texto é aberto a essa constante atualização. O autor fez a sua primeira versão em 1970, um ano após o caso verdadeiro do anarquista na Itália, depois alterou bastante para a segunda, em 1972, e mais ainda para uma edição em livro, três anos depois.

"A Franca Rame [mulher de Fo, também atriz e dramaturga] é que juntava, porque o cara escrevia cenas, ia botando os acontecimentos de cada ano e dando para os atores", diz Stulbach. Remetia assim à commedia dell'arte, gênero popular dos séculos 15 e 16 na Itália.

O vínculo do ator e dramaturgo italiano com a improvisação permanente, em seu resgate da tradição teatral das ruas e feiras, não impressionou apenas os jovens atores de São Paulo. Em 1997, foi parte das razões apresentadas para que ele recebesse o Nobel de Literatura.

Aos 89 anos, Dario Fo prossegue em sua trilha popular, mas também sempre político e à esquerda, mais recentemente vinculado –como um patriarca– ao movimento radical do também comediante, tornado importante líder partidário, Beppe Grillo. Sobre a peça, descreve-a como "uma farsa grotesca sobre uma farsa trágica", a morte real de um anarquista.

MORTE ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA
QUANDO qua. e qui., às 21h; até 10/12
ONDE Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, região central, tel. (11) 3226-7300
QUANTO R$ 40 e R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 12 anos


Endereço da página: