Folha de S. Paulo


HQ latina 'Vírus Tropical' chega ao Brasil abordando o poder feminino

Paola Gaviria era uma artista precoce, em 1985, quando o papa João Paulo 2º visitou sua cidade: Quito, capital do Equador. Ela, então com oito anos, havia vencido um concurso promovido por um jornal local e, como prêmio, poderia entregar um desenho ao pontífice.

Esperou João Paulo durante quatro horas, na pista do aeroporto —quando finalmente chegou, armou-se uma confusão e a menina ficou sem dar seu recado ao santo padre.

Hoje, com cinco livros publicados e uma dezena de colaborações para zines, a equatoriana atende por Power Paola e é uma das mais prestigiadas quadrinistas da América Latina.

O mais famoso deles, o romance gráfico "Vírus Tropical" (2011), foi lançado no Brasil em agosto pela editora Nemo. Com algum atraso, depois de ganhar versões para quase todos os nossos países vizinhos e uma tradução para o francês. Em agosto de 2016, a artista deve lançar uma animação homônima, na qual trabalha há três anos com Santiago Caicedo.

Hoje, 30 anos depois, a equatoriana não sente a menor vontade de entregar um desenho ao atual papa, Francisco.

"Não estou a favor da religião católica. Não me relaciono de nenhuma maneira com essa estrutura", conta ela à Folha, por telefone, desde Buenos Aires, onde mora.

Parte da desconstrução da relação da cartunista, filha de um ex-seminarista colombiano, com o catolicismo está nas páginas de "Vírus Tropical", uma HQ autobiográfica que conta a vida de Paola desde o instante de sua concepção (a gestação da mãe inicialmente foi diagnosticada como vírus, daí o título) até os 18 anos, quando é expulsa de casa pela irmã, Claudia.

virus tropical

Curioso é que os livros religiosos ilustrados do pai tenham influenciado seu traço, em que também se notam referências da estética punk do americano Raymond Pettibon e das artes "naïf" e primitivista.

Esses desenhos —brutos, mas cheios de detalhes sutis— narram a vida familiar da artista, de uma estirpe que acostumou-se a viver como nômades pelo continente. "Meus pais se mudaram, meus avós se mudaram, todos se mudaram. Sempre estivemos em movimento, longe uns dos outros. Tem muito a ver com o lugar de onde somos, sobre a violência, de tratar de viver uma vida melhor."

Questões políticas do continente aparecem apenas de relance em "Vírus Tropical" —o prédio onde os Gaviria viviam também era lar de exilados políticos das ditaduras chilena e argentina. Diferente de "Persépolis", da iraniana Marjane Satrapi, ao qual costuma ser comparado.

A colega iraniana, conta, a ajudou a ter noções de como escrever uma novela gráfica, principalmente na estruturação dos capítulos da narrativa (que se dividem em setores como "As Mulheres", "Os Amigos"). "O link é óbvio, são dois livros em preto e branco, autobiográficos e feitos por mulheres", afirma Paola. "Mas para por aí. Marjane Satrapi se mete realmente na política. Eu realmente enfoquei na minha família e no que passava socialmente."

O que passa são contos em que a autora abre o jogo, como se estivéssemos diante de um diário íntimo, sobre a descoberta da sexualidade, o amadurecimento à marra na adolescência, a primeira menstruação, uma família com empregos irregulares. Sobretudo, a relação com os homens, em uma família onde o que vale é o poder feminino (o pai das Gaviria as abandonou quando Paola ainda era criança; ela e as duas irmãs mais velhas cresceram com a mãe e a empregada doméstica).

"Quando fiz ['Vírus Tropical'], era mais jovem, sentia desesperadamente uma necessidade de contar a minha história. Agora eu sinto mais pudor, mas acho que ter falado da minha família, de minha vida, faz parte da trajetória", diz.

Apesar de o trabalho mais reconhecido de Paola só ganhar versão em português tardia, ela já estava no catálogo nacional desde 2014: assina as ilustrações de "Sandiliche", livro de Ronaldo Bressane publicado pela Cosac Naify. Também é uma das artistas convidadas pelo cartunista da Folha Allan Sieber para desenhar as histórias do pai, Jouralbo.

VÍRUS TROPICAL
AUTOR Power Paola
TRADUÇÃO Nicolás Llano Linares e Marcela Vieira
EDITORA Nemo
QUANTO R$ 39,90 (160 págs.)


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