Folha de S. Paulo


Liderados por 'MasterChef', realities gastronômicos abocanham a audiência

Escolha com esmero um corte de horário nobre (ou quase). Esquente com uma direção ágil e provas de difícil digestão. Salpique uns candidatos marinados em clima de melodrama. Grave com antecedência e reserve para colocar no ar meses depois.

Essa é a receita do sucesso que vem abrindo o apetite da TV aberta brasileira. Globo, SBT, Band e Record estão pondo água no feijão das competições gastronômicas: os quatro estão exibindo ao menos uma gincana de comida, e todos têm fome para repetir programas desse tipo.

O prato principal dessa moda é "MasterChef", que chega ao fim nesta terça (15). Em sua segunda temporada, deu à Band momentos de liderança na audiência –o canal é o quarto na média.

Por alguns minutos, a peleja de cozinheiros chegou a marcar 10 pontos de Ibope, enquanto a Globo marcava 9. Na Grande SP, cada ponto equivale a 67 mil casas.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo,, Brasil, 14-09-2015 15h16: Finalistas do programa Masterchef. Retrato de Raull Lemos no estudio da tv Bandeirantes(Foto Eduardo Knapp/Folhapress.ILUSTRADA). Cod do Fotografo: 0716//////////////Sao Paulo,, Brasil, 14-09-2015 15h52: Finalistas do programa Masterchef. Retrato de Izabel ALvares, 31, no estudio da tv Bandeirantes(Foto Eduardo Knapp/Folhapress.ILUSTRADA). Cod do Fotografo: 0716
Os finalistas do "MasterChef", Raul Lemos e Izabel Alvares

É provável que o bom resultado se repita na decisão entre os dois finalistas do embate: Raul Lemos, um publicitário de 34 anos que quase não entrou na competição por rir demais, e Izabel Alvares, 31, uma produtora de eventos que chora se o prato está bom e chora se está ruim.

Mas o banquete está longe de acabar. Em 20 de outubro estreia "MasterChef Kids", versão com competidores com idades de oito a 13 anos.

Outra temporada para adultos está confirmada, para 2016, e o canal cogita aumentar sua periodicidade.

Enquanto a Band ri à toa, Sabrina Sato deve ter parado de gargalhar nos últimos sábados à noite. Seu programa, que era vice em audiência, perde com frequência para "Bake Off Brasil", competição de confeitaria do SBT.

Adriana Cechetti, diretora da disputa de bolos, diz que beleza também põe mesa na TV: "Doces são mais bonitos e mais apetitosos de se olhar que os pratos salgados".

Mas a Record, casa de Sabrina, vai pagar na mesma moeda: estreia em duas semanas "Batalha dos Confeiteiros", com Buddy Valastro, 38, apelidado Cake Boss, que já tem um programa homônimo no canal pago TLC.

A atração começará no dia 30 de setembro e ainda tem duração indefinida ("MasterChef" tem duas horas e meia), mas a rede reserva ao menos uma hora de sua grade.

É AULA OU NOVELA?

O clima da competição, diz o boleiro, vai ser mais calmo do que o reality show gravado em sua loja americana.

"O estúdio é menos caótico do que uma cozinha e loja, onde gravo com minha família", diz Buddy, por e-mail. A competição brasileira já está quase toda gravada.

A Globo defende que precedeu a tendência. "Começamos bem antes dos programas de culinária virarem moda", diz Ana Maria Braga, com orgulho de posto no ar em 2001 uma batalha de chefs. Em 2015, ela televisionou dois quadros do estilo, "Super Chef Celebridades", em que põe famosos como o cantor Fiuk e o atleta Giba para batalhar nos fogões, e "Jogo de Panelas", em que julga a competência de espectadores como anfitriões.

O mais importante, defende Braga, é "o bom aprendizado" de ensinar o público com aulas de cozinha ministradas aos competidores.

"Um reality deve entreter, mas a informação não pode ser relegada", diz Vivi de Marco, diretora do "Mais Você".

Há discordâncias. As aulas dadas aos candidatos a "MasterChef" não são televisionadas, e o programa foca mais num roteiro de rivalidades do que em técnicas de como fritar um bife ou fazer suflê.

"As pessoas gostam de acompanhar a vida de desconhecidos. Quando junta com a gastronomia, então, amam compartilhar nas redes sociais", diz Carlos Bertolazzi, chef que volta em outubro ao SBT na terceira temporada de "Hell's Kitchen - Cozinha sob Pressão". Para ele, "o programa é menos sobre cozinha e mais sobre relacionamentos".

Já na visão do Cakeboss, as panelas devem contar mais do que as câmeras. "Participante tem de cozinhar bem. A habilidade de 'showman' virá com o tempo."

Os programas de gastronomia dão audiência também na TV paga, que não divulga números de audiência, só a ordem de mais vistos. O TLC diz que "MasterChef" catapultou seu ibope. Produtos como "Que Marravilha Kids" (GNT), chegam às primeiras posições.

O retorno faz os departamentos comerciais das TVs salivarem. Todas as atrações de TV aberta conseguiram vender suas cotas de patrocínio com facilidade. O "MasterChef", por exemplo, pôde dobrar o preço de um anúncio no seu capítulo final –30 segundos custam R$ 270 mil, contra os R$ 120 mil habituais.

"Tinha uma demanda da indústria alimentícia de lugares para anunciar com contexto", diz o chef Bertolazzi.

"Só é preciso cuidado, porque comida demais, uma hora ou outra dá indigestão", brinca um diretor TV.

PECULIARIDADE NACIONAL

"Bem-vindos à cozinha 'Masterchef'", diz Ana Paula Padrão, 49, enquanto abre os braços em cada episódio da competição da Band. Essa talvez seja a participação mais relevante nas duas horas e meia de programa –além de gritar "para tudo!" quando o tempo das provas se esgota.

A presença de apresentadores como ela nas competições culinárias é uma peculiaridade nacional. As adaptações australiana, canadense e mexicana de "Masterchef" não têm o papel, ainda que a argentina o preserve.

"A apresentadora serve para fazer a ponte entre os chefs e a audiência", diz Ticiana Villas Boas, 34, do "Bake Off Brasil", do SBT. Segundo ela, um rosto conhecido "cria uma conexão com o público".

Ana Maria Braga, 66, aponta o didatismo como sua função."O apresentador é aquele que vai conduzir o programa e muitas vezes botar em pratos limpos e claros o que se diz nos jargões da cozinha, que nem sempre o público compreende", diz a global.

A equipe de Carlos Bertolazzi, 44, dispensa essa categoria profissional: "O 'Hell's Kitchen' [SBT] é minha cozinha, então só tem chef. Eu sei falar, obrigado", brinca ele.

Procurada por e-mail, Padrão não respondeu.


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