Folha de S. Paulo


Artista japonesa faz instalação com 3.713 cartas no Sesc Pinheiros

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Desde que desembarcou no Brasil, há 11 dias, a japonesa Chiharu Shiota leu 3.713 cartas. A artista, que abre neste sábado (12) "Em Busca do Destino", sua primeira exposição na América Latina, passou quase duas semanas se revezando entre a montagem de "Cartas de Agradecimento" e a sala de produção, onde a curadora Tereza de Arruda ia traduzindo o conteúdo das correspondências.

As cartas –recolhidas entre o público brasileiro desde julho, todas sobre o tema gratidão– compõem agora a maior das três instalações que Chiharu, 43, exibe no Sesc Pinheiros, ocupando sozinha uma sala de 680 m². Para construí-la, a artista contou com o trabalho de três assistentes antigos e dez montadores da capital paulista.

Foram dias transformando cada um dos 3.300 novelos em duas partes menores, mais fáceis de manusear entre o emaranhado de fios que ia aos poucos se formando, no qual eram fixadas, com grampeadores, as milhares de folhas manuscritas.

Marlene Bergamo/ Folhapress
ILUSTRADA - Chiharu Chiota, artista japonesa que faz instalaçao com fios de la e cartas no Sesc Pinheiros. Ha duas obras secundarias no local, uma com malas e outra com sapatos, logo na entrada.10/098/2015 - Foto - Marlene Bergamo/ Folhapress - 0717.
Visitante em frente à obra "Além dos Continentes", na entrada do Sesc Pinheiros

Divididos em pequenos grupos, conversando enquanto reenrolavam a lã, alguns integrantes pareciam velhinhas tricoteiras, mas logo ganhavam agilidade, movimentando os braços rapidamente para compor a obra.

Acabaram familiarizados com o trabalho de Chiharu, ainda que, no início, nada soubessem sobre ela ""dos brasileiros, nenhum conhecia sua obra. Com pouco destaque no Brasil antes da repercussão da 56ª Bienal de Veneza, onde exibe até 22/11 "The Key in the Hand", a artista radicada em Berlim há 14 anos se interessou pelos fios de lã por enxergar neles potencialidades plásticas.

"Achava a pintura bidimensional muito limitada, queria desenvolver linhas livres", conta Chiharu. Desde 1993, quando cursava o segundo ano de artes visuais em Kyoto, no Japão, ela começou a desenvolver instalações. A princípio, elas não continham objetos.

A primeira inserção de itens às linhas foi em 2001, com vestidos de casamento, pelo valor sentimental que as peças carregam. Na mostra atual, além das cartas, a artista utiliza 285 sapatos doados pelo público e 200 malas garimpadas em feiras para duas instalações menores. Sua preferência por objetos usados é porque eles carregam muitas histórias.

Chiharu não sabe dizer quando a memória passou a ser tão importante em sua obra. Mas lembra com desconforto de uma viagem que fez em retorno ao Japão.

As recordações que a artista tinha da cidade onde cresceu não condiziam com a realidade. Os vídeos da época tampouco traziam os mesmos registros que guardara, e um par antigo de sapatos que ela tentou calçar não servia mais nos pés, ainda que seu número continuasse o mesmo.

"As memórias estavam em mim, mas não no Japão", diz. "Não eram só os sapatos que não me serviam. A sensação de que eu não me encaixava estava em todas as coisas."

As cartas, para ela, têm um sentido todo especial. A artista acredita que, por meio dos escritos, conseguimos expressar sentimentos que nem sempre externamos. Em um deles, Chiharu demonstrou a gratidão que sentia pelo pai.

Em sua obra, os fios de lã são responsáveis por entrelaçar todas as histórias que antes pareciam avulsas. "Estou conectando todas as pessoas que escreveram", diz.

A instalação, antes de chegar a São Paulo, passou pela Espanha e por Osaka, cidade onde a artista nasceu. Ao fim de cada montagem, Chiharu sempre escreve uma carta, fixando-a junto às outras. Ela também se sente conectada.

EM BUSCA DO DESTINO
QUANDO ter. a sex, das 10h às 21h30, sáb., das 10h às 20h30, dom., das 10h às 18h30; até 10/1/2016
ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO grátis


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