Ronaldo Correia de Brito é escritor de talento, com passagens bem-sucedidas pela literatura infantil, pelo teatro e pela prosa de ficção. Seu mais recente volume de contos, "O Amor das Sombras", prima pela coerência temática e pela qualidade.
O volume tem como fio condutor o olhar crítico sobre a sociedade nordestina. Com estilo límpido, o autor traça retratos memoráveis do choque entre a herança patriarcal morrediça e um presente despido de esperanças.
Sua matéria-prima, contudo, é o drama humano. As engrenagens sociais e as forças da natureza nunca roubam a cena, mas subordinam-se ao ritmo patético das pequenas tragédias quotidianas.
Em contos como "Noite", "Bilhar" e "Lua", a força telúrica da narrativa se une a um caleidoscópico resgate da memória, com intrincados diálogos entre presente e passado. Mais que um seguidor de Ariano Suassuna ou Graciliano Ramos, o autor cearense mostra-se leitor atento do mexicano Juan Rulfo e de seu compatriota Octavio Paz.
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O escritor cearense Ronaldo Correia de Brito posa para foto diante do rio Capibaribe, no Recife |
Também a delicadeza no trato das figuras femininas merece destaque. Contos como "Força", "Amor" e "Sombras" mergulham com empatia na alma das protagonistas. Já em "Atlântico" ou "Véu", a crueza do universo masculino se faz contrastar com a integridade de mulheres nas quais nossa triste humanidade se refugia.
"Os homens são fracos", diz o velho Gonçalo, em "Perfeição". "Não nascemos com paciência para a abnegação, nem para os cuidados prolongados. Essa força amorosa pertence às mulheres."
Um subtom hierático perpassa toda a obra, cujo desalento diante da realidade remete a uma imemorial sede de Deus, hoje desacompanhada de verdadeira fé. Nessa linha, temas piedosos como o afeto pelos filhos das diásporas e o lamento pela sorte dos pobres-diabos se fazem presentes em "Mellah", "Helicópteros" e "Magarefe", que completam o painel sóbrio (e, por vezes, sombrio).
Talvez um trabalho mais rigoroso de revisão pudesse ter enxugado um par de contos, conferindo-lhes maior objetividade e pujança. Ainda assim, trata-se de livro proveitoso, que merece ser apreciado com vagar e atenção.
MARCELO DANTAS é escritor e diplomata