Folha de S. Paulo


Com categorias como 'clássicos de protesto', playlists se popularizam no Brasil

A música está no ar —e nas festas, no trânsito, na academia. Os serviços de streaming, que transmitem áudio e vídeo sem precisar de download, já são a fonte não física preferida dos fãs de música no Brasil, somando 51% da renda digital nacional em 2014, contra média global de 23%, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos.

Com a chegada da Apple Music e do Tidal, em junho, e as listas temáticas do Google Play Música, em agosto, o brasileiro passou a ter ainda mais opções de serviços, cada um oferecendo, em média, 30 milhões de faixas —o equivalente a cerca de 230 anos de música ininterrupta.

Eles vêm se somar a outros como Spotify (de 2014), Deezer e Napster (ambos de 2013).

Autores de playlists de sucesso no Spotify

Confira playlists especiais com a seleção musical da equipe da "Ilustrada" ao longo do texto

Playlist da Ilustrada: Conhecer o mundo (e a si mesmo) viajando de busão

Conhecer o mundo (e a si mesmo) viajando de busão

OPÇÕES

A oferta abundante torna cada vez mais difícil escolher o que ouvir. Mas, segundo empresas dessa onda, nem precisa: basta eleger um gênero ou um "momento" e deixar rolar uma playlist.

"Menos que achar a música certa, o futuro será uma questão de como a música certa vai encontrar você no momento certo", diz à Folha Elias Roman, gerente de produto do Google Play Música e fundador do Songza, serviço de recomendação de música incorporado pelo Google.

As chamadas "listas contextuais" da plataforma, criadas por curadores, oferecem opções para cada momento do dia, disposição ou atividade, com categorias como "hora do jantar", "malhar" ou "desacelerar", além de coletâneas temáticas por gênero.

Playlist da Ilustrada: Chegando lá (na praia), tomar gim tônica em frente ao mar

Chegando lá (na praia), tomar um drinque à beira-mar

A curadoria humana é uma bandeira dos principais serviços. Enquanto a seleção algorítmica oferece ao usuário músicas similares ao que ele já conhece, as listas manuais abrem espaço para o novo.

"O lado humano permite apresentar um artista ou música ao usuário. O famoso ele já conhece, espera-se que mostremos novidades", diz Bruno Telloli, que faz a curadoria do Spotify no Brasil.

Graças, em parte, à curadoria, segundo Telloli, o consumo de música nacional vem crescendo na plataforma —de 17% em 2014, quando o Spotify aterrissou no Brasil, a 35% em maio de 2015.

Um exemplo dessa dinâmica são as bandas de rock Scalene e Supercombo, que já faziam sucesso no Spotify antes de sua projeção nacional.

"As duas sempre entravam na 'Viral 50', ranking das mais compartilhadas da plataforma, atualizada todo dia", diz Telloli. Inseridas em playlists junto a artistas consagrados, tiveram projeção espontânea.

Playlist da Ilustrada: Quem sabe, você chegue até Nova York...

Quem sabe você chegue até Nova York

A curadoria temática pode também levar novos gêneros ao usuário. "Nos EUA, muitos jovens estão ouvindo música clássica enquanto estudam, porque nossos editores sabem que ajuda na concentração", diz Roman.

A gerente editorial do Deezer, Yasmin Müller, que ouve de 7 a 8 horas de música por dia para a curadoria, diz que listas temáticas vêm se popularizando. "Aprendemos o que funciona a cada dia."

Segundo Telloli, a curadoria envolve não só a escolha de músicas como a criação do nome e da capa, que podem ser cruciais para o sucesso. "Já teve caso de eu só trocar o nome da playlist e ela ter desempenho muito melhor."

Nos serviços, encontram-se títulos como "rock no trabalho", "pedalando pela cidade", "clássicos de protesto", "sempre verão", "malandro é malandro" —com sambas à la Bezerra da Silva— e "sertanejo para malhar".

OS INFLUENCIADORES

Além das seleções criadas pelos editores dos serviços, usuários estão se destacando com suas curadorias. A fauna de influenciadores ou "tastemakers" abrange de selos, publicações —como a revista "Billboard"— e marcas a usuários ligados à música por ofício ou pura paixão.

É o caso do brasiliense Bruno Rocha, 28, conhecido como o blogueiro Hugo Gloss.

Com 146 mil seguidores no Spotify —para comparação, Ivete Sangalo tem 74 mil—, ele publica mais playlists de artistas e gêneros, mas é nas temáticas que brilha com títulos como "carnavintage" e "gloss fit (projeto bunda dura)".

"Faço clippings de tendências que ainda não decolaram no Brasil", diz. "As listas viram fonte de informação".

Algumas personalidades também usam o streaming para criar suas listas públicas. "A Anitta fez uma boa de hip-hop recentemente", comenta Bruno. "Mas são poucos os que estão participando, ainda está começando."

Playlist da Ilustrada: Ou apenas ficar em casa, numa boa

Ou apenas ficar em casa, numa boa

Poucos, mas ilustres: até Obama entrou na dança outro dia, com duas playlists de verão no Spotify, que levavam de Bob Dylan a Beyoncé.

Esta última, por sua vez, tem uma lista de preferidas no Tidal. O serviço lançado por Jay-Z tem uma plêiade de 16 sócios artistas (Madonna e Rihanna incluídos), todos engajados na publicação de conteúdos exclusivos.

Responsável pelas playlists do Deezer, Yasmin, 27, encaixa-se no perfil jovem do público de streaming. Segundo as empresas, 31% dos usuários do Deezer no Brasil têm menos de 25 anos, e 79% dos inscritos no Spotify têm de 18 a 34. São consumidores criados dentro universo de consumo digital.

Mas a revolução é também circular. Um dos carros-chefe da Apple Music, a rádio Beats1, com programas do badalado DJ Zane Lowe e playlists de artistas como Pharrell Williams e Dr. Dre, revisita, afinal, uma invenção de mais de um século: o rádio, com a transmissão unificada de uma programação "non stop".

A ideia foi de Trent Reznor, um dos mentores do serviço. Na contramão da multiplicação das playlists, ele disse ao "New York Times": "Eu me perguntei se ainda há espaço para a monocultura. Algo assim ainda pode existir?"

'JABÁ' COMEÇA A DAR AS CARAS

As playlists já começam a atrair mais que a atenção de amantes de música.

O ancestral jabá, prática de empresas pagarem por baixo dos panos para ter músicas de seus artistas tocando nas rádios, já é uma realidade no streaming, segundo a revista americana "Billboard".

Playlist da Ilustrada: Depois de fazer a faxina da semana, com groove, suingue (e punk rock)

Depois de fazer a faxina da semana, com groove, suingue (e punk rock)

Embora a política de privacidade do Spotify deixe claro que é proibido "aceitar qualquer compensação, financeira ou outra, para influenciar [...] o conteúdo incluído em conta ou playlist", companhias como a DigMark, especializada em marketing de playlists, estariam pagando curadores por espaços nas listas.

A empresa, em contrapartida, diz que paga valores "baixos", de US$ 100 a US$ 150, para que influenciadores simplesmente ouçam e "considerem" as músicas de seus clientes.

Segundo fontes ouvidas pela "Billboard", o preço para inserir uma música numa playlist pode ir de US$ 2.000 para listas com dezenas de milhares de inscritos até US$ 10 mil para as mais seguidas. Como comparação, promover uma canção no rádio pode custar mais de US$ 300 mil, lembra a reportagem.


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