Folha de S. Paulo


Com peça 'Tribos', Antonio Fagundes completa 50 anos de carreira

Antonio Fagundes, 66, chegou uma hora antes para a entrevista no Teatro de Arena, centro de São Paulo. Andou uma quadra, até o bar onde almoçava quando começou, aos 16. "Eu matei a saudade. Fui num boteco aqui embaixo, pedi um prato feito. Um boteco que eu ia sempre."

Ele completa em janeiro o cinquentenário de seu "primeiro cheque", no Arena. "Outro dia me falaram, 'Meio século!'. Eu quase caí."

Questionado sobre diferenças na sala, em comparação com 1966, diz: "Acho que tinha um pouquinho mais de lugares na plateia. Ali ficavam os músicos. Imagina, 'Arena Conta Tiradentes', sentadinhos nesse buraco".
Mal havia cenário, o elenco usava até as escadas. "O público sempre muito próximo criou uma geração de atores diferenciada. Não dava para mentir."

Lenise Pinheiro/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil. Data 04-09-2015. Ator Antonio Fagundes comemora 50 anos de carreira no Teatro De Arena Engenio Kusnet. Foto Lenise Poinheiro/Folhapress
O ator Antonio Fagundes, 66, em visita ao Teatro de Arena

Andando pelos bastidores, lista nomes históricos do palco. "Nesse camarim, imagina, aí dentro Myriam Muniz, [Gianfrancesco] Guarnieri, Renato Consorte, [Luís Carlos] Arutin, Zanoni Ferrite, Dina Sfat, Célia Helena."
No segundo andar: "Foi aqui que o [diretor Augusto] Boal fez o Teatro Jornal. Botava uma arquibancadazinha e fazia. Era tudo pequenininho, mas tão bonito. Era o centro do teatro brasileiro."

"Você olha o teatro hoje... Ficava lotado um ano e não era nada. Tinha cinco mil espectadores. É que dos cinco mil uns 500 eram catedráticos, críticos. A gente tem a história do Teatro de Arena até hoje por causa deles, porque público mesmo... Pouquíssima gente viu."

Myriam foi sua "madrinha" no Arena. Ela e outros atores, "todos tinham filhos pequenos", o viram à tarde no próprio teatro, fazendo "um elefantinho cor-de-rosa" numa peça infantil, e convenceram Boal.

Por cinco anos, atuou em peças como "Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre", de Chico de Assis, "O Círculo de Giz Caucasiano" e "A Resistível Ascensão de Arturo Ui", de Brecht, "A Mosqueta" e a "Primeira Feira Paulista de Opinião".

Ainda nos anos 1960, estreou no veículo que o faria famoso, a televisão. Na Tupi, chamou atenção em "Mulheres de Areia" e explodiu em "O Machão", até que: "Tive problemas salariais lá, não concordava com algumas coisas, saí".

Estreou na Globo em "Saramandaia", em 1976, quando parte do teatro engajado se abrigou na TV. "O doutor Roberto Marinho dizia, 'Nos meus comunistas ninguém toca'. Dias Gomes, Ferreira Gullar. O Gullar é só o tradutor da 'Internacional'. Estava lá."

Ele próprio, nestes 50 anos, fez "sempre questão de emitir opinião", ainda que sem estar "preso a uma corrente", como outros do Arena.

Ultimamente, menos. "Comecei a perceber que conseguia botar o cara lá, mas não conseguia tirar. Foi aí que parei de usar a minha imagem. Continuo tendo minha postura política, posso até divulgar meu voto, mas não apoio mais ninguém."

Questionado sobre se referia ao PT: "Todos eles que estão aí hoje eu gostaria de ter tirado há muito tempo. Desde que a gente percebeu o barco furado em que estava".

Ainda se bate por um teatro que entretenha mas não seja "só entretenimento". É por isso que, nas apresentações de "Tribos", que reestreia nesta sexta no Tuca para celebrar seu cinquentenário, ele abre debate, "bate-papo" com o público.

Mesmo na TV, Fagundes segue atuante. Há dois anos, organiza reuniões de atores. "Temos feito encontros quinzenais. Diretores da Globo já foram. E a gente já foi lá, conversar com eles. Está havendo uma troca boa, de buscar melhora artística, melhores condições de trabalho."

Em sua trajetória ininterrupta no palco, fez de Shakespeare a musicais da Broadway. Diz não ter preconceito e, agora, busca uma comédia para montar.

O que quer evitar a qualquer custo é patrocínio. Em "Tribos", ele e o filho Bruno, também ator, são os produtores, sem apoio. "E foi um sucesso empresarial." Questionado, diz entender quem fala que o sucesso se deve à sua presença.

"É claro que é porque sou eu. Mas é porque sou eu desde os 16. Eu já tinha aqui, no Arena, uma cabeça preocupada em ter público, fazer TV."

*

Folha - O Arena era muito diferente quando você começou?
Antonio Fagundes - Acho que tinha um pouquinho mais de plateia, se não me engano. Ali ficavam os músicos... Imagina, "Arena Conta Tiradentes", eles ficavam sentadinhos nesse buraco aqui, tocando bateria, baixo. E a gente usava as escadas para fazer cena. Você tinha o público sempre muito próximo. Era muito gostoso isso. Eu acho que isso criou uma geração de atores diferenciada, no sentido de que não dava para mentir. Você estava transpirando ali, e o público estava vendo. Se você não estivesse perfumadinho, ele ia sentir. [risos] Eu me lembro que o Boal dizia que a gente tinha que representar com a nuca. Sempre tinha alguém olhando tua nuca. [risos] Isso era muito gostoso.

Qual é a peça que você conta como seu início?
Foi uma peça do Chico de Assis, "Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre", que muitos anos depois eu remontei com o nome de "Xandu Quaresma". O Boal, naquela época, estava começando a sentir uma dificuldade de renovação, o teatro é limitativo em termos de espetáculo. Depois do terceiro, você não tem mais o que inventar. Então o Boal começou a viajar com os espetáculos. Estavam fazendo "Arena Conta Tiradentes" e não queriam deixar o teatro vazio. O Boal criou três núcleos, que ele chamou de Núcleo 2, e deu o espaço durante o período para cada um de três diretores. Um deles foi o Afonso Gentil. Eu já tinha trabalho com ele em teatro infantil aqui no Arena, e o Afonso me chamou para fazer o protagonista da "Farsa". Foi o primeiro cheque que recebi, por isso que eu conto a partir daí. Janeiro de 1966. Foi um grande sucesso. Era um texto muito bom. Quando o Boal voltou, ele me chamou. O Jairo Arco e Flexa saiu e ele me chamou para entrar no lugar, no "Arena Conta Tiradentes".

Mas aí você tinha personagem?
Eram 11 ou 12 personagens. Era o Sistema Coringa. Um ator fazia diversos personagens. Na verdade, o Boal brincou com isso. Numa época, muitos atores faziam um personagem, o protagonista não era feito por um ator só. Tinha uma boina, por exemplo, passava a boina e ele é que era o Che Guevara. Esse foi um sistema que ele criou. E o outro era o contrário: um ator fazia diversos personagens. Na verdade, ele testou muita coisa. Em "Tiradentes", era um time maravilhoso, Iara Amaral, Dina Sfat, Célia Helena, Renato Consorte, Guarnieri, David José.

Você era um menino.
Eu tinha 16 para 17 anos. Achavam que eu era relativamente capaz. [risos] Não podia emitir opiniões.

Por que o Boal te chamou? O que ele viu?
Na verdade, todos eles tinham filhos pequenos. E eu já estava fazendo teatro infantil aqui. Claro, se eles tinham que levar o filho a algum teatro, era aqui. E eu fiz uns trabalhos interessantes. Um deles era um elefantinho cor-de-rosa que fazia muito sucesso com as crianças. A Myriam foi a minha madrinha aqui no Arena. Quando ela me viu pela primeira vez, no infantil, eu me lembro, o camarim era aqui atrás, ela entrou, veio direto para mim e falou, "Nós vamos trabalhar juntos!". Eu quase morri. [risos] Falei, "Nossa, a Myriam". E não deu outra. Ela ficou fazendo a cabeça do Boal para me chamar, e ele me chamou. Fiz bastante coisa aqui. Fiz o "Tiradentes", depois fiz "O Círculo de Giz Caucasiano", que foi a menor temporada do teatro brasileiro.

Foi censurada?
Não, o espetáculo não deu certo. O Boal queria sair daqui e estreamos na Hebraica, e eu me lembro que foi um silêncio no fim do espetáculo. [risos] O público se levantou em silêncio e foi embora. No dia seguinte, deu um pau com a Célia Helena e o pessoal, aí acabou o espetáculo. A gente vinha para cá depois, o teatro ia ficar vazio, então montamos em uma semana "A Mosqueta", uma peça da commedia dell'arte. Guarnieri, Myriam Muniz, Sylvio Zilber e eu. Imagina eu, com 17 anos. Era péssimo, fazia muito mal. [risos] Mas mesmo assim, não sei por que, ele continuou gostando e me chamou para fazer a "Primeira Feira Paulista de Opinião". Esse foi um grande espetáculo.

Foi aqui mesmo?
Não, no Ruth Escobar. Ele já estava querendo sair daqui, porque realmente, além de ser muito pequeno, mesmo quando lotava eram só 150 lugares. Não permitia investir no espetáculo.

Deve ser difícil para um diretor.
É, não pode ter cenário, não pode ter muito figurino, não pode ter muito ator, porque não tem onde botar. A "Feira" foi um sucesso. Era julho de 1968, mas não tinha o AI-5, então o texto voltou com cortes, 69 cortes. A gente se reuniu, o Boal propôs e todo mundo aceitou fazer um ato de desobediência civil. Íamos estrear apesar da Censura. Montamos o espetáculo e, no dia da estreia, quando abriu a cortina no Ruth Escobar, a classe teatral inteira estava em cena. Foi muito bonito. A Cacilda Becker, que era presidente de uma entidade teatral, se adiantou e anunciou um ato de desobediência civil. E nós fizemos o espetáculo sem cortes.

Entrou e ficou em cartaz sem cortes?
Não, no dia seguinte eles fecharam o teatro. Aí nós fomos para o Maria Della Costa, avisamos a imprensa, foi todo mundo atrás, entramos no meio do espetáculo da Fernanda Montenegro. Ela até não gostou muito, porque a gente parou o espetáculo dela. E fizemos simbolicamente uma cena da "Feira", como ato de desobediência civil. No dia seguinte, eles fecharam todos os teatros de São Paulo, aí nós fomos para Santo André. A Heleny Guariba estava com um espetáculo lá. Fomos para lá e fizemos a mesma coisa, uma cena. Aí eles viram que íamos ficar fazendo, que não tinha saída. Ou eles prendiam a gente de uma vez, e ainda não estava nessa fase, ou eles deixavam a gente fazer. Voltamos ao Ruth Escobar, fizemos normalmente o espetáculo, que foi um sucesso muito grande não só de público como também porque era um espetáculo de resistência. Aí teve invasão do CCC, aquelas coisas todas lá.

Veio o AI-5 e a coisa fechou mesmo.
Pois é, em dezembro a coisa complicou. Mas eu já não estava mais, fiquei seis meses só, porque fui para o Nordeste fazer meu primeiro filme, "A Compadecida". [O diretor] era um húngaro, George Jonas. O filme tinha uns nomes loucos. O cenário era da Lina Bo Bardi. O figurino era do Francisco Brennand. Armando Bógus fazia o João Grilo, eu fazia o Chicó, a Regina Duarte fazia Nossa Senhora.

Você conviveu muito com Guarnieri e Boal.
Mais com o Guarnieri. O Boal, o diretor, a gente não se falava muito. Mas o Guarnieri era um grande companheiro e uma pessoa maravilhosa, além de um excelente ator e autor. Eu fiz muita coisa com ele, inclusive depois que acabou o Arena. Em 71, o Boal quis dar uma levantada no Arena e chamou a turminha de volta, para fazer o "Arturo Ui". Veio Antonio Pedro, veio Guarnieri, eu, o Zanoni, o Arutin, a turma toda. Mas foi a última peça feita aqui. O Guarnieri já estava se associando com a Martha Overbeck, estava escrevendo uma peça para ela, mas que foi um grande texto dele, "Castro Alves Pede Passagem". Fizemos também no Ruth Escobar, só que no Galpão, no teatro de cima. Ele escreveu um personagem para mim. Depois fiz "Marta Saré", com ele também. Fiz muita coisa com o Guarnieri. Era um ator cheio de recursos, muito interessante, que conseguia tirar humor de quase tudo que fazia. Isso era muito rico.

Você começou antes de 66, no colégio.
É, por volta de 62, fazendo teatro estudantil. Montamos um grupo dentro do Rio Branco, aqui em São Paulo.

Você é carioca?
Sou, nasci no Leblon, mas vim para São Paulo com 6 para 7 anos, então acabei ficando paulista. A gente fez um Brecht lá no Rio Branco, e o colégio nos proibiu de fazer teatro. Falamos, "Nós vamos continuar". Montamos um grupo amador chamado Semáforo, não sei por que, talvez por causa do farol vermelho. A gente montou um espetáculo com dois textos. Tinha muito ator, então tinha que usar todo mundo. [ri] Um era do Eugene O'Neill, o segundo era Martins Pena. Eu era o protagonista do O'Neill. E a gente ganhou sete prêmios num festival de teatro amador, um deles foi o meu primeiro prêmio como ator. Aí o colégio abriu novamente o teatro para nós. Fizeram uma estante para botar os prêmios.

Havia muita movimentação política na época. Você tinha alguma corrente de que era próximo?
Não. Só aqui no Arena. O Arena tinha essa vocação. Alguns tinham ligação com partido. O Izaías Almada foi preso por luta armada. Quer dizer, havia diversas correntes, mas foi um engajamento de que não participei. Era muito moleque.

O que os seus pais achavam, de você no Arena?
Nunca tive problema com isso. Eles queriam que eu fosse engenheiro civil. E eu estava estudando ainda, naquela época, então... Só parei de estudar mesmo com 18 anos. Cheguei a entrar no Mackenzie.

Engenharia?
É, mas eu não fui.

O Boal também.
O Boal era engenheiro químico, mas ele exerceu a profissão. E o Guarnieri estava fazendo medicina. Naquela época havia uma pressão social grande para você ter um diploma. E isso aqui não dava diploma de nada. A profissão [de ator] não era nem regulamentada. Foi regulamentada em 78. Até lá você era um vagabundo.

Já vi entrevistas suas falando do PT, eu mesmo já perguntei. Como é que um ator de consciência social, mais do que engajamento político-partidário, age hoje? Como é possível?
O engajamento político-partidário, realmente... Quando você tem carteirinha, não pode opinar livremente. Está preso a uma corrente, a uma diretriz, e isso é uma coisa que o artista, na minha visão, não deve ter, não pode ter. É um contrassenso para o artista, não ter a liberdade pela qual ele luta. Sempre fiz questão de não ter carteirinha, mas também sempre fiz questão de emitir a minha opinião, a minha escolha política. Até que comecei a perceber que era engraçado, eu conseguia botar o cara lá, mas não conseguia tirar. Foi aí que parei de usar a minha imagem. Continuo tendo a minha postura política, posso até divulgar meu voto, mas não apoio mais ninguém.

E qual foi esse cara que você gostaria de ter tirado?
Ah, todos eles que estão aí hoje, por exemplo, eu gostaria de ter tirado há muito tempo. Desde que a gente percebeu o barco furado em que a gente estava.

Mas você segue achando que a questão social é central?
Sempre, claro. E eu acho que, se você consegue colocar... Eu acho que teatro tem que ser entretenimento, aliás, o Brecht já dizia. Se você não entretém o público, não consegue passar nenhuma mensagem social, política, o que quer que seja. Agora, é preciso que não seja só entretenimento. Dá para você tentar modificar um pouco as pessoas. Eu acredito num espetáculo de teatro que faça o público pensar cinco minutos até o estacionamento. Isso para mim já é uma vitória. E se a gente conseguir fazer com que ele pense um pouquinho mais... Por isso eu acoplei aos meus espetáculos um bate-papo com a plateia. Estamos fazendo "Tribos" há dois anos e todo dia, depois do espetáculo, a gente bate um papo.

Ulysses Cruz é seu maior parceiro?
Agora está sendo. Acabei fazendo com ele seis espetáculos. Fiz "Fragmentos de um Discurso Amoroso", depois o "Macbeth", "História do Soldado", "Oleanna", "Vida Privada" e agora "Tribos". Amanhã eu vou lá [ao Teatro Porto Seguro, para a estreia de "O Camareiro"]. Tem 20 anos ou mais que o Tarcísio [Meira] não faz teatro. É uma conquista dele, coisa do Ulysses. Ele é muito criativo. E o que ele fez com a gente no "Tribos" foi maravilhoso, porque a gente não tinha verba. De repente ele tem que descobrir um sistema ali que não encareça e que funcione. E o espetáculo funciona muito bom. O espetáculo ficou bonito.

Tem Gerald Thomas também. Como foi aquela experiência? Você ajudou a lançá-lo.
É, eu fui culpado dele aqui em São Paulo. [risos] Nós fizemos um espetáculo belíssimo juntos, "Carmem com Filtro" era muito bonito. Cenário da Daniela [Thomas], 21 atores no palco. A gente lotou as segundas e terças. Na época eu tinha a Companhia Estável de Repertório. Os planos econômicos todos destruíram a gente, mas eu tinha um projeto na companhia: fazer um espetáculo regular; fazer o que eu chamava de teatro paralelo, que era um ambiente para pesquisa, onde entrou o Gerald Thomas, onde entrou o Ulysses com "Fragmentos", que era um texto de semiologia e acabou sendo um baita sucesso. Como o Gerald Thomas também foi. Mas isso era bom, eu não sou daqueles que não querem fazer sucesso, eu quero, inclusive com as experiências. O Gerald foi uma experiência extremamente positiva, mas a gente bateu um pouco de frente, porque eu estava nessa busca ansiosa de comunicação, até escrevi isso no programa. E o Gerald é um excelente pintor, mas às vezes a gente se sentia na posição de tinta. [risos] Mas o espetáculo resultou de uma beleza... Ele é talentoso.

E Antônio Abujamra?
Bom, para mim era o tio Tó. Ele era tio da Clarisse, fui casado com ela muitos anos. Mas eu já conhecia o Abu antes, porque tinha feito teleteatro com ele na TV Cultura. E eu conhecia o Abu como diretor, admirava o trabalho dele, vi coisas belíssimas dele. A primeira vez que eu produzi um texto foi com direção do Abu, o "Muro de Arrimo", um grande sucesso. E fiz mais dois grandes espetáculos com ele, "A Morte Acidental de um Anarquista" e o "Nostradamus". Eu ocupei o Cultura Artística dez anos, tinha até uma sala lá com uma plaquinha, Companhia Estável de Repertório. Era o nosso escritório.

Qual foi o plano que encerrou a companhia?
Sarney. Quando os "fiscais do Sarney" apareceram, a gente estava fazendo "Cyrano de Bergerac". Lotava de quarta a domingo, 1.200 pessoas todo dia. E um mês depois o preço que eu cobrava no ingresso não pagava nem o cafezinho que a gente tomava. Tudo subiu, mas o ingresso do teatro não podia subir. Eu cobrava 40 cruzados, nem me lembro qual era a moeda na época, e a Denise Stoklos estreou um monólogo um mês depois no Culturinha cobrando 100. "Cyrano" tinha 36 atores, 24 técnicos, 15 pessoas para administrar a companhia: lotando diariamente, tive que tirar de cartaz. Ainda continuei com a companhia, ainda consegui fazer o "Nostradamus", que eu já estreei cobrando, sei lá, 150. Dava para administrar. Mas ali, naquele período, foi quando começou a ter problemas. Lotando, lotando, lotando, eu não conseguia manter.

Eu queria que você falasse um pouco da cultura hoje.
A gente está sofrendo as consequências dos erros da Lei Roanet. O principal para mim é a ausência de uma política cultural. A partir do momento em que o governo entrega na mão do mercado, através de gerentes de marketing, a gerência da política cultural do país, nós estamos perdidos, Viramos brinde de multinacional. A nossa experiência no "Tribos" foi nesse sentido. A gente recusou qualquer espécie de apoio. Mostrou que é possível e que, na verdade, é a única solução. Você vê os espetáculos patrocinados: eles ficam em cartaz um mês, dois. Nós estamos há dois anos em cartaz, tivemos 200 mil espectadores. A produção foi paga no primeiro mês. O elenco recebe, não é um trabalho amador, é profissional. Todo mundo recebe. É um salário digno para todo mundo, ninguém está ficando rico, mas nós estamos há dois anos. Visitamos 31 cidades e vamos voltar agora para o Tuca, com um projeto sem nenhum apoio. Nada, nem estatal, nem nenhuma empresa, só da bilheteria.

A gente acabou criando uma falsa imagem de que a coisa está funcionando. Eu abri outro dia uma revista e vi que tem 178 espetáculos. Falam, "Que maravilha, é para aplaudir". Mas não é. Desses 178, uns 90 são em salas, espaços. Você vai assistir e não tem cenário, não tem figurino, tem poucos atores, pouco público. E são amadores, no sentido de que o teatro profissional está acabando. Hoje em dia, ou você é patrocinado ou é amador. No meio disso, uma política cultural inexistente. O governo tirou o corpo, com as leis de incentivo. Mas tem um detalhe que é verdade: a cultura tem que ter dinheiro. O Estado tem que destinar um pouco de dinheiro. O Ministério da Cultura é a menor dotação orçamentária, 0,6% do orçamento. Não dá para fazer nada. O máximo que faz é pagar os funcionários. E não estamos falando só de teatro. Estamos falando de circo, dança, música, sinfônica, cinema, patrimônio histórico, pinacotecas, vai embora. Com essa verba você não consegue fazer nada. Você vê os ministros da Cultura inventando coisas, mas não conseguem resolver não.

E ainda assim a política cultural está errada. Privilegia os pequenos grupos, e os pequenos grupos também não sobrevivem com isso. Você vê às vezes bons espetáculos, mas em teatros de 40, 50 lugares e obrigados a cobrar R$ 5 a inteira. Não sobra nada disso. E as grandes companhias acabaram. Você tem agora os musicais, que é um outro lado que eu acho que tem que ser contemplado também, mas falta um equilíbrio. Falta exatamente a política cultural.

Aliás, você fez "Hair" e "Godspell" lá no começo.
Naquela época não precisava cantar, [risos] agora eu já não ouso. Eles são talentosíssimos, não tenho nenhum preconceito, não. Eu não tenho preconceito contra "stand up", não tenho preconceito contra comédia. Estou procurando uma comédia, estou doido para fazer comédia, adoro comédia, acho dificílimo fazer. Acho que qualquer gênero tem o bom e o ruim. "Ah, mas eu não gosto de stand up." Não, tem "stand up" que é maravilhoso, agora, tem uns ruins também. Assim como tem peça experimental ruim. Não é por ser experimental que é boa.

Você está com o seu filho em cena e na produção.
A gente está muito envolvido com esse processo, que inclusive não é novo. É uma retomada de um processo diferenciado de produção. É muito desgastante, a gente tem que trabalhar muito.

Virar empreendedor.
Ele está virando um produtor também, até porque está sendo empurrado para isso pelo sistema.

Os atores mais velhos, dos anos 50, contam que pegavam empréstimo em banco e depois iam pagando aos poucos. Foi assim com "Tribos"?
Não, o "Tribos" não. Eu e o Bruno, a gente tinha um dinheirinho. Cada um botou um pouco. Não foi muito, a gente produziu com pouco. E um mês depois tinha esse investimento recuperado. Foi um sucesso empresarial.

Mas não falam, "Ah, é porque é o Fagundes"?
Com certeza, é porque sou eu. Porque desde que eu tenho 16 anos eu me programei para fazer desse jeito. As pessoas falam assim, mas eu não comecei famoso. Eu comecei aqui no Teatro de Arena. E eu já tinha aqui uma cabeça preocupada com o mercado, preocupada em fazer televisão.

Em ter público.
Em ter público. Eu achava que a gente tinha que se comunicar. Tinha que fazer o público pensar cinco minutos até o estacionamento. E eu fui desenvolvendo e aprimorando isso. É claro que é porque sou eu. É porque sou eu. Mas é porque sou eu desde os 16 anos.

TRIBOS
QUANDO Sex. e sáb., 21h30; dom., 18h. Reestreia nesta sexta
ONDE Tuca - r. Monte Alegre, 1.024, Campos Elíseos, centro de São Paulo, tel. (11) 3670-8455
QUANTO De R$ 50 a R$ 80
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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