Folha de S. Paulo


Com arrecadação de 3% a 4% menor, Sesc SP reduz programação

Pela primeira vez em mais de uma década, a arrecadação do Sesc São Paulo caiu, no último mês de agosto, reflexo da crise econômica.

Segundo o diretor regional, Danilo Santos de Miranda, a diminuição foi de 3% a 4%. "A nossa arrecadação está se comportando como toda a economia brasileira", diz ele.

A instituição, referência na produção cultural, é bancada por empresas de comércio e serviços, que destinam a ela um valor equivalente a 1,5% da folha de pagamento.

Diante dos números negativos, o Sesc SP decidiu "rever" sua programação, sobretudo atrações estrangeiras, atingidas pela disparada do dólar. Negociações que estavam avançadas, como a da vinda da banda americana de rock Wilco, estão em compasso de espera, segundo a Folha apurou. Oficinas culturais foram canceladas.

Lenise Pinheiro - 03.set.2015/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil. Data 03-09-2015. Prof Danilo Santos de Miranda. Diretor Regional do Sesc SP. Local Sesc Belenzinho. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc SP, em entrevista na unidade do Belenzinho

"Não temos como garantir o mesmo ritmo, seja de programação, seja de investimento", diz Miranda, referindo-se, no caso do investimento, à ampliação da infraestrutura do Sesc no Estado, que também será afetada.

Duas novas unidades na capital, na avenida Paulista e no centro, continuam previstas para 2016. Porém, anota Miranda, em ambas "é a mesma construtora, que enfrenta graves problemas no plano nacional", referência à Mendes Júnior –que tem executivos como réus em ação da Operação Lava Jato.

"O mercado das grandes construtoras está abalado. Estamos lidando com muita atenção, pisando em ovos, eu diria. Estamos ali no abismo, tratando disso com cuidado, porque essas empresas estão todas na berlinda."

Há três anos, o Sesc foi parar na primeira página do jornal "The New York Times", em reportagem elogiosa da instituição, "líder no financiamento das artes" no país, com orçamento anual que crescia ao ritmo de 10% ao ano.

Miranda, disse o jornal, causava "inveja aos colegas" mundo afora, às voltas com aperto de orçamento e redução nas produções. Mas agora chegou a vez do diretor.

"O nosso orçamento anual está em torno de R$ 1,5 bilhão, R$ 1,6 bilhão, com variações. Deve cair um pouco em 2016. No máximo, continuar esse valor, o que já seria fantástico", diz ele.

Ele evita listar as atrações que ambicionava para 2016 e agora devem ficar de fora. E sublinha as que estão mantidas, como o diretor teatral americano Bob Wilson.

"Esse é um dos compromissos", diz, acrescentando, porém, que não será mais com elenco internacional, como antes, e sim "algo brasileiro", inclusive no texto.

CONTRIBUIÇÃO MANTÉM A ENTIDADE

O orçamento realizado pelo Sesc São Paulo em 2014 foi de R$ 1,68 bilhão. O orçamento previsto para este ano de 2015, sem contar o impacto da queda na arrecadação, é de R$ 2 bilhões.

O volume da arrecadação, diz o diretor regional do Sesc, depende do mercado de trabalho nas empresas de comércio e serviços em geral (hotelaria, comunicação, ensino, saúde), em todo o Estado de São Paulo.

Um mercado que, sublinha Miranda, já está sendo e "vai ser afetado".

Como funciona o financiamento, segundo ele: "A nossa arrecadação vem da folha de pagamento dessas empresas. Não da contribuição dos trabalhadores, mas de um cálculo sobre a folha, que as empresas fazem para contribuir para a gente".

Cada empresa destina um valor equivalente a 1,5% sobre sua folha. "Não somos uma instituição que depende da contribuição dos trabalhadores, diretamente, mas o cálculo vem sobre o montante de salário."

Os recursos, informa a assessoria do Sesc, bancam gastos com programação, com os salários de 6.887 funcionários, com a infraestrutura e a manutenção de 36 unidades no Estado, além da construção de futuras unidades, caso das duas a serem abertas na capital em 2016.

'USUÁRIOS'

Miranda afirma que a instituição está "aberta para todo mundo", mas aponta "prioridade" para o trabalhador de comércio e serviços –antes classificado como comerciário e hoje como "credenciado pleno".

A mudança na denominação se deu em 2014, quando a redução de vagas para os não comerciários motivou críticas. "Nós chamávamos de 'usuários' as pessoas que não eram comerciárias e frequentavam o Sesc com uma matrícula, que acabou desaparecendo e foi substituída pela credencial por atividade", diz o diretor regional.

"Houve mal-estar, 'Acabaram os usuários', mas não acabaram", prossegue. "Nós damos prioridade para os trabalhadores, credenciados plenos. Mas, se temos condição de atender a outras pessoas, elas recebem um credenciamento para aquela atividade."

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ENTREVISTA DANILO SANTOS DE MIRANDA

Danilo Santos de Miranda, 72, já foi convidado para ser secretário e ministro da Cultura por PSDB e PT, mas sempre recusou. "Até há pouco eram os únicos partidos que eu achava que existiam", diz. "Agora não existe mais nenhum." Desde 1984, está à frente do Sesc SP, que tornou uma máquina mais efetiva do que as instituições públicas. Em entrevista, comenta os efeitos da crise econômica na cultura.

Folha - Qual é o impacto da crise sobre o Sesc?

Danilo Santos de Miranda - Não é um fato isolado, tem aspectos múltiplos. É o dólar que está mais alto. É a arrecadação nossa que está se comportando como toda a economia brasileira. A questão tem sobretudo essas duas facetas que nos dizem respeito diretamente. A gente traz grupos de fora, gasta em dólar, uma parte pelo menos. E a gente tem menos possibilidade de fazer as coisas na medida em que tem menos arrecadação, enfim, menos recursos para poder tocar o barco.

Tem efeito na programação?

É natural que tenha. De alguma forma, a gente vai ter que rever. E tem uma terceira coisa importante que a gente faz, além da programação, nacional e internacional: nós investimos, estamos crescendo, aumentando a nossa infraestrutura, seja na cidade, seja no Estado. Então, tudo isso é afetado. Não temos como garantir o mesmo ritmo, seja de programação, seja no plano de investimento. Na prática, isso significa que estamos revendo, sem previsões catastróficas, tipo redução de quadro. Da maneira mais tranquila possível, mas vamos ter que diminuir, por exemplo, a apresentação de ações com custo em dólar.

O dólar está batendo em R$ 4.

Está disparado, vai passar de R$ 4, acho. Mas temos compromisso com alguns que estão vindo, por exemplo, com o Wajdi Mouawad, que é um autor libanês, de "Incêndios", que virá também fazer um monólogo. É coisa já comprometida e que a gente vai cumprir. Agora, não vamos nos comprometer com novos compromissos.

A queda na arrecadação foi a primeira em dez anos?

É, em torno de 3% ou 4%, por enquanto, no primeiro mês. A gente não sabe o quanto vai significar mais para a frente. O primeiro mês em que observamos diminuição foi agosto, então a gente imagina que essa sinalização vá continuar. Quer dizer, eu acredito que vai ser retomado, que mais cedo ou mais tarde as coisas vão se equilibrar. Somos um país que não tem outra saída que não seja crescer, se desenvolver.

É um [primeiro] número negativo em dez anos ou até mais. Faz tempo que a gente vem sempre crescendo, porque o mercado de trabalho foi se formalizando. Mesmo quando o Brasil não estava com crescimento grande, o mercado estava se formalizando de maneira intensa. A formalização significa carteira assinada, que é o que determina a contribuição, empregados regulares. O mercado informal não contribui.

Essa queda na arrecadação é circunstancial?

Independente da questão circunstancial dessa restrição, que eu espero que seja circunstancial, na minha visão mais ampla a questão econômica está presente demais, você pega a primeira página e é o que interessa, economia e política. Eu me bato há muito tempo para um deslocamento das atenções do que é mais relevante, para as pessoas e para a sociedade, que é a questão mais educacional e cultural.

Tudo quanto é político, empresário, dirigente, diz "educação é a coisa mais importante", mas fala de cultura meio forçado, não acredita muito. Porque pensa na educação regular, na escola. Esquecem que educação é muito mais. E quando amplia o conceito de educação você está falando de cultura. É antes, durante e depois da escola. Daí o foco, numa hora de crise como esta, em que a questão muitas vezes é comportamento. São valores.

O Sesc se tornou central para a cultura aqui em São Paulo.

Tem uma característica até mundial importante.

Há três anos saiu a reportagem no "New York Times".

Eu tenho no quadro, ali.

Esta crise terá impacto sobre a cultura de São Paulo? Sobre a produção que o Sesc apoia, já que aquela mais comercial...

A indústria cultural não vai ser afetada seriamente. Só alguma coisa. Mas esta cultura de caráter público, aberto...

Que tem olhar nacional.

Se ela pode ser ameaçada? Eu espero que não. Ao falar que a gente vai rever custos, rever programação, isso não afeta necessariamente a qualidade do que fazemos. Posso continuar pensando numa exposição tipo Tadeusz Kantor, só que não com aquele porte, aquele aparato. Vamos continuar propondo ações que tenham esse jeito de fazer, provocar, aprofundar, mesmo que de outra maneira, não com esse custo. A gente sempre fez.

O Sesc não é só cultura.

Tem gente que pega o volume do Sesc, com seus quase 7.000 funcionários, com sua folha de R$ 50, 60 milhões por mês, junta tudo e diz: "O Sesc é o Ministério da Cultura". Não é. Nós realizamos ações culturais, numa parte da nossa operação. O Sesc lida com coisas que o Ministério da Cultura faz, o da Educação, o do Esporte, da Saúde. O nosso orçamento anual está em torno de R$ 1,5, R$ 1,6 bilhão. Deve cair um pouco no ano que vem. No máximo, continuar esse mesmo valor, o que para nós já seria fantástico.


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