Folha de S. Paulo


Bienal de Istambul aponta relações num jogo não convencional na arte

Em Büyükada, umas das Ilhas Príncipes, a obra "A Mais Bonita de Todas as Mães", do argentino Adrián Villar Rojas, se transformou em peça icônica da 14ª Bienal de Istambul. Ela consiste em réplicas de animais em tamanho original, que flutuam sobre o mar e, neles, como parasitas, aparecem outras estruturas.

Não por acaso, o "site specific" se localiza a alguns metros da casa em ruínas onde León Trotski (1879-1940) viveu exilado. Com isso, a curadora Carolyn Christov-Bakargiev instiga a produção contemporânea a funcionar como uma espécie de portal que abarca contexto e história locais.

Na ilha de Büyükada, Bakargiev apresenta outros sete trabalhos, cada um em um contexto específico, como a instalação "Ah, Máquina Sentimental", de William Kentridge, que também tematiza Trotski.

Fabio Cypriano/Folhapress
Instalação de Adrian Villar Rojas exibida na Bienal de Istambul
Instalação de Adrian Villar Rojas exibida na Bienal de Istambul

Contudo, esta Bienal de Istambul se desdobra em outras questões ligadas à história turca: o genocídio dos armênios; as construções em estilo art noveau; a valorização da produção feminina em uma cultura machista; e a água como fonte de vida, de onde sai o título dessa edição: "Água Salgada, uma teoria das formas pensantes".

Para tanto, a curadora ocupa ainda 21 espaços em Istambul, seja para exibir duas pinturas de Arshile Gorsky (1904-1948), armênio que sobreviveu ao genocídio, seja para uma grande coletiva no Istambul Modern.

É lá que ela apresenta a mostra "O Canal", espécie de síntese de suas ideias. Essa seção reúne de livros, como a primeira publicação de Charles Darwin sobre a mutação das espécies em orquídeas, a vasos art noveau do francês Émile Gallé (1846 - 1904), próximos de obras do polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg, que usa árvores carbonizadas. A inusitada combinação aponta relações num jogo não convencional na cena artística.

A pintura"Projeto de Buraco para Jogar Políticos Desonestos", de Cildo Meireles, é umas das peças centrais nesta mostra, segundo a curadora, por questionar o que está na superfície. A tela retrata Brasília como a cidade alocada na camada mais fina da superfície terrestre, uma tese que Meireles ouviu há anos.

Talvez por isso algumas obras da Bienal sejam mesmo invisíveis, no sentido de quase impossíveis de serem vistas, caso de Pierre Huyghe. Ele apresenta uma obra subaquática perto de uma ilha onde em 1910 foram sacrificados cães. Lá Huyghe montou um palco de concreto sob a água, na esperança de que a vida marinha se acumule no futuro, uma forma otimista de pensar a função da arte hoje.


Endereço da página: