Folha de S. Paulo


Pelo 7º ano consecutivo, o Brasil está fora da competição no Festival de Veneza

O Festival de Cinema de Veneza, que começa nesta quarta (2), é um italiano septuagenário, orgulhoso de sua história como o evento mais antigo do gênero no mundo.

Mas tem de provar sua relevância contra um canadense quarentão, que começa antes de a mostra europeia terminar, e com quem disputa os títulos mais badalados: o Festival de Toronto.

O arsenal desse italiano conta com astros hollywoodianos, apostas oscarizáveis, as últimas tendências do cinema (como a entrada da Netflix nesse universo) e o calibre de diretores consagrados.

Divulgação
Créditos: Divulgação Legenda: cena do filme
Jason Clarke em cena do filme 'Everest'

O Brasil não faz parte dessa artilharia, ou melhor, não da mostra competitiva. Nessa sessão, o país reprisa uma derrota de 7 x 1: depois de 2008, quando disputou o Leão de Ouro com a coprodução "Plastic City", dirigida pelo chinês Nelson Lik-wai Yu, o país passou sete edições, incluindo a atual, fora da competição.

O desempenho não melhora muito em Cannes e Berlim, que, com Veneza, formam a tríade dos festivais mais importantes do cinema: nos últimos cinco anos, o Brasil emplacou apenas três filmes nas competições dessas mostras (veja no quadro abaixo).

Outros grandes latino-americanos se saíram melhor. O México emplacou o dobro no período; a Argentina logrou cinco, incluindo "El Clan", de Pablo Trapero, que pode se revelar uma das grandes surpresas desta 72ª edição do Festival de Veneza.

O longa, que destronou o fenômeno "Relatos Selvagens" como a maior abertura de um filme argentino em seu país –504 mil ingressos nos primeiros quatro dias–, relata a história de uma família responsável por sequestros e morte na década de 1980.

Para o produtor Caio Gullane, responsável pelo último brasileiro em competição em Veneza ("Plastic City", 2008), comparar a presença brasileira com a mexicana e a argentina pode soar injusto.

"São países com particularidades: produção mais constante, no caso da Argentina, ou proximidade com a indústria dos EUA, no caso do México", afirma. "Retomamos o nosso cinema há duas décadas: é pouco para gerar filmes que estejam nesse patamar."

André Sturm preside o programa Cinema do Brasil, mantido pelo sindicato do audiovisual paulista e pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos, que promove filmes nacionais em estandes nos festivais e apoia agentes de venda desses longas.

Na opinião dele, o êxito dos outros latinos tem a ver com coproduções internacionais, que despertam mais a atenção dos curadores estrangeiros. "Até pouco tempo atrás, o Brasil não estava nesse jogo."

Coprodução Brasil-Alemanha, "Praia do Futuro", de Karim Aïnouz, competiu no Festival de Berlim em 2014.

BRASIL EXÓTICO

Para a produtora Vania Catani, "2015 não está ruim como outros anos". Ela se refere à participação de "Que Horas Ela Volta?" em Berlim e à presença de dois longas nacionais em Veneza, embora fora das mostras principais.

É dela a produção de "Mate-Me Por Favor", dirigido por Anita Rocha da Silveira, híbrido de suspense e terror que figura no line-up paralelo desta edição do festival italiano.

A produtora carioca afirma que festivais como Cannes, por exemplo, tendem a sempre esperar o "exótico"."Nunca enxergam o nosso cinema urbano ou psicológico. Sempre querem o excepcional."

E o que dizem os curadores sobre a produção brasileira? "Alguns dos filmes são muito locais e não universais o bastante", diz à Folha Raymond Walravens, diretor do World Cinema Amsterdam, festival cujo público premiou "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert –filme apontado pelo curador como excepcional.

Destaques do Festival de Veneza

"Feitos com orçamento limitado e sem público internacional (ou local) em mente, muitos têm tom pessimista, enquanto o público desses festivais prefere algo mais arejado com humor", diz.

A Ancine, que fomenta e regula o audiovisual no país, mantém, desde maio de 2013, o programa Encontros com o Cinema Brasileiro, exibindo filmes da produção nacional a curadores de fora. Embora tenha emplacado longas em Roterdã, Havana, Buenos Aires, Roma e mostras paralelas de Berlim, ainda não teve êxito nas competições dos três grandes festivais.

"Números não contam toda a história dos resultados do programa", responde a Ancine, via assessoria de imprensa. "Não se pode querer comparar número de participações no Festival de Havana, que é voltado para o cinema latino-americano, com Sundance ou com os festivais europeus."

Além de "Mate-Me...", o outro longa brasileiro na mostra paralela é "Boi Neon", drama sobre um vaqueiro (Juliano Cazarré), que participou do programa da Ancine. A direção é de Gabriel Mascaro, do Recife, justamente a chamada Veneza brasileira.


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