Folha de S. Paulo


Entre o chão e a utopia, Nuno Ramos retoma sua pintura pantanosa

Nuno Ramos anda dizendo que está entre o chão e a utopia. De um lado da mostra que acaba de abrir na Estação Pinacoteca, estão pinturas que ele chama de eufóricas, enormes telas coloridas atravessadas por farpas metálicas –a parte "alegre" da coisa. Do outro, estão quadros carregadíssimos de tinta, pesando 400 quilos –esse é seu "pântano".

Ou seja, mesmo voltando à pintura, técnica com que se firmou como um dos maiores nomes da arte do país nos anos 1980 e que depois foi deixando de lado, Ramos não abandona a natureza monumental de suas obras. Elas se articulam aqui, aliás, como uma espécie de elogio –exagerado– ao peso da matéria.

Mas essa não é uma carga negativa. "Quis me energizar um pouco. Fiquei pensando numa coisa mais para cima, positiva", diz o artista. "Tentei fazer um troço mais feliz."

Marlene Bergamo/Folhapress
ILUSTRADA - 27//08/2015 - O artista plastico Nuno Ramos, durante montagem de sua nova mostra, na Estação Pinacoteca... - Foto - Marlene Bergamo/ Folhapress - 0717.
O artista plástico Nuno Ramos durante montagem de sua nova mostra, na Estação Pinacoteca

Enquanto as cores desses tais troços de fato adentram um terreno solar, com tons de amarelo, rosa e verde-água antes incomuns nos seus trabalhos, a violência que orientou grande parte de sua obra volta a rondar essas novas telas.

Ele arquitetou ali verdadeiras tempestades de cor, composições raivosas, um tanto indigestas à primeira vista. Dessas superfícies tumultuadas, saltam arestas metálicas, pedaços de tecido e outros escombros coloridos, num jogo nervoso de interpenetrações.

Nesse sentido, Ramos não deixa de ser aqui o artista que pôs urubus a sobrevoar enormes lápides negras na Bienal de São Paulo há cinco anos, afundou na lama réplicas de casas em tamanho real, simulou o choque de um avião contra árvores no Museu de Arte Moderna do Rio e chacoalhou uma galeria com um globo da morte montado entre prateleiras cheias de tralha e bibelôs.

"Tem uma violência nisso. Nunca sou pacificado", diz Ramos. "Mas acho que a gente está tão perdido e estou tão desencantado com o país que quis fazer algo prazeroso, por mais violento que fosse. Tem todos esses elementos rasgando o quadro, mas tem sempre um plano sedutor lá atrás."

Suas novas pinturas ecoam nesse ponto o contraste entre pulsões de vida e morte que sempre marcaram seu trabalho, em especial o erotismo tétrico de obras anteriores como o filme pornô em que as falas dos atores são nomes de clássicos do choro ou seu último livro, "Sermões", um ensaio poético sobre a devassidão.

Na mostra agora em cartaz, uma sala com instalações monumentais faz a ponte entre esses dois estados de espírito.

Entre a alegria de suas "telas sodomizadas" e os tons mais soturnos da última série de pinturas feitas com vaselina e cera de abelha, estão grandes estruturas como trilhos de uma montanha-russa ou o chassi de um caminhão que equilibram em cada ponta objetos esdrúxulos, de um monte de arroz a um armário, sugerindo, por exemplo, a troca de uma coisa pela outra.

Fora essa arena de peças em grande escala, que exigiram engenheiros e calculistas para ficar de pé, o resto das obras no museu são construções que Ramos fez sozinho.

"Essa foi um experiência muito física", conta o artista. "Fazia isso à noite no ateliê, sem arquiteto, calculista, engenheiro. Quis fazer uma pintura plena, voltar a um lugar plástico. Era eu e meu corpo."

MAU GOSTO

Nesse retorno ao corpo, no entanto, Ramos diz que não encontrou o mesmo estilo do passado. Embora as superfícies convolutas e pegajosas dos novos trabalhos lembrem nomes que o influenciaram, como o expressionista abstrato Philip Guston, ele diz que vem fazendo mais improvisos, quase um "jazz" visual.

"Tenho sempre que desviar, não posso continuar no mesmo estilo. É como se estivesse sempre inaugurando alguma coisa", diz Ramos. "O que eu mais gosto no que eu faço é poder ser vários, é essa falta de lastro. Mas é aí também onde mora o risco."

No caso das telas da ala mais soturna da mostra, Ramos reconhece que o ponto chave da composição é mesmo uma falta de técnica, os acidentes que acontecem no processo de construção, algo que não raro começa com uma referência figurativa e vai se perdendo nas camadas infinitas de tinta sobre a superfície.

"É tudo feito à mão, tem um certo calor", diz Ramos. "Eu me entreguei a isso, com toda a minha incompetência, meu mau gosto. São movimentos mais soltos, menos precisos, como se isso fosse o começo."

NUNO RAMOS
QUANDO: de ter. a dom., das 10h às 18h; até 15/11
ONDE: Estação Pinacoteca, lgo. Gal. Osório, 66, tel. (11) 3335-4990
QUANTO: grátis


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