Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Cinema de Kleber Mendonça Filho, de 'O Som ao Redor', foge do academismo

De Kleber Mendonça Filho já se esperava uma estreia sólida no longa de ficção. Ele vinha de uma atividade relevante como crítico e cineclubista, seu curta de 2009, "Recife Frio", era tido como uma pequena obra-prima, o documentário "Crítico" (2008), punha em questão a atividade crítica de maneira pertinente.

Ainda assim, "O Som ao Redor" foi uma surpresa. Se a geração de Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Claudio Assis havia recolocado Pernambuco no mapa cinematográfico no fim do século passado, esse filme de 2012 marcava o surgimento de uma nova geração, com olhar e ambição próprios.

A ambição, diga-se, não era pequena: observar num mesmo quadro transformação e permanência em Pernambuco. O que era engenho e coronelismo —uma sociedade voltada para o interior— transformou-se em um conjunto de propriedades à beira-mar.

Seu patriarca é um temível coronel (W.J. Solha), tão valente que mergulha na praia à noite, sozinho, indiferente aos tubarões. Sua linha de sucessão vai dar no passivo vendedor dos apartamentos da família (tendo estudado na Alemanha!). A meritocracia pode ter caminhos tortuosos.

Ela contempla, entre outros, o jovem primo semimarginal, que nenhum pobre da rua se atreve a delatar como a pessoa que roubou o rádio de um carro estacionado. Aquele com quem os seguranças não podem se meter.

O retorno do reprimido se dará, no entanto, a partir de notações tão sutis quanto marcantes: os subalternos que fazem amor na casa vazia; os fantasmas de negrinhos que invadem a rua como que saídos de uma senzala de pesadelo; os seguranças (liderados por Irandhir Santos). Além do som, claro.

Até a surpresa do final, vemos um mundo que se dobra sobre si, ou que muda para melhor permanecer o mesmo.

Se o Brasil produziu, ainda que esparsamente, filmes bem interessante neste começo de século, "O Som ao Redor" teve a particularidade de aliar uma narrativa moderna à capacidade de despertar a empatia de um número significativo de espectadores e ganhar muitos prêmios, para não falar de comentários favoráveis nos "Cahiers du Cinéma".

Tudo isso coloca ao cinema de Mendonça um desafio: dar sequência, junto a um público nada fiel a seus realizadores (vide Walter Salles ou Fernando Meirelles), a uma escola (a recifense) e a uma tendência que busca a comunicação fluente com o espectador ao mesmo tempo em que foge do academismo como o diabo da cruz.


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