Folha de S. Paulo


Na peça 'Dezembro', Calderón imagina uma América Latina em guerra

A América Latina está em guerra, e o Chile leva vantagem sobre o Peru e a Bolívia. Parece piada, mas é o estranho pano de fundo da ficção "Dezembro", do chileno Guillermo Calderón, que ganha encenação obrigatória para os amantes da boa dramaturgia, no Sesc Consolação, com direção de Diego Moschkovich.

Ninguém vai dizer que existe risco de uma guerra latino-americana num futuro tão próximo como o da peça. Então talvez seja de fato piada, mas não daquelas que a gente ri com a mão na barriga. Se há comicidade em "Dezembro", ela vai se transfigurando na formação de um sonho ruim, com ponto de fuga trágico.

Amanda Amaral/Divulgação
Os atores Ernani Sanchez, Michelle Gonçalves e Carolina Fabri em cena da peça 'Dezembro'
Os atores Ernani Sanchez, Michelle Gonçalves e Carolina Fabri em cena da peça 'Dezembro'

A história se passa em um natal repleto de momentos doces atravessados por diálogos sinistros. Mostra o encontro de irmãs gêmeas grávidas (Carolina Fabri e Michelle Gonçalves) com o caçula que volta do front (Ernani Sanchez).

As duas mulheres, como duplos de uma identidade, disputarão o poder sobre o destino do irmão. Uma delas quer incentivar o soldado a voltar para a guerra, mas a outra esconde um plano para que ele possa deserdar e fugir.

Há outras duplicações na peça atuando sobre o espectador de maneira fantástica, quase sempre como um jogo de espelhos. O duplo da guerra latino-americana seria no caso a própria incógnita.

De qual guerra o texto fala exatamente? É bem possível localizá-la entre exemplos recentes, porque o que está em disputa é uma região desértica, fala-se em questões religiosas e étnicas.

LIMÍTROFE

Esse jogo de símbolos e metáforas vai se desdobrando, muito habilmente. As linhas que dividem as noções de ficção e realidade, de masculino e feminino, de guerra e paz, de sorte e fatalidade, de nascimento e morte, formam o desenho de um tabuleiro, sobre o qual perderemos o norte.

A encenação de Moschkovich leva essa precisa construção geométrica do texto para um cenário com duas paredes metálicas que formam um vértice de 90 graus.

No canto, fica o homem. As duas mulheres permanecem, durante boa parte da peça, em posições opostas. Forma-se, assim, um triângulo entre os personagens.

A trilha sonora, especialmente no início da peça, se sobrepõe em volume aos diálogos. Há cenas inteiras sussurradas, com perdas significativas de texto, efeito que, paradoxalmente, amplia a compreensão da obra, expande seus signos.

O elenco também investe em uma interpretação rígida, reflexo da aridez pela qual os personagens passam.

A esterilidade tem sido tema recorrente no teatro. E "Dezembro", desde sua estreia em 2008, guarda, estranhamente, uma bela surpresa na representação da gravidez. Bela, entre aspas.

DEZEMBRO
QUANDO: SEG. A QUA., ÀS 20H30; ATÉ 2/9 (NÃO HAVERÁ SESSÃO EM 18/8)
ONDE: SESC CONSOLAÇÃO, R. DR. VILA NOVA, 245, TEL. (11) 3234-3000
QUANTO: R$ 6 A R$ 20
CLASSIFICAÇÃO: 12 ANOS


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