Folha de S. Paulo


Brasileiro apresenta filme melancólico no Festival de Locarno

Aos 24 anos, o cearense Leonardo Mouramateus rodou dez curtas e acumula prêmios em festivais brasileiros e estrangeiros -só do prestigioso Cinéma du Réel, do Centro Pompidou (Paris), saiu vencedor duas vezes nas últimas três edições.

Ao Festival de Locarno, parada obrigatória do cinema de autor, ele traz "História de uma Pena", em que encena o embate verbal e de nervos entre um professor de literatura e meia-dúzia de alunos numa escola desertada de Fortaleza.

Ninguém quer estar ali; o homem, que nem pedagogo é, não vê a hora de voltar para São Paulo; havendo escolha, os jovens trocariam a aula de poesia por um dolce far niente etílico e canabinoide antes do fim da primeira estrofe.

Nos filmes de Mouramateus, há sempre alguém a um passo da despedida (ou cuja ausência inquieta quem ficou): um funcionário de mercado que sonha com o Canadá, um jovem que ruma para Curitiba por amor, um tio que foi até Caiena (Guiana Francesa) tentar fazer fortuna, um cineasta a caminho de Lisboa para um mestrado...

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Cena do curta-metragem 'Historia de uma Pena', de Leonardo Mouramateus
Cena do curta-metragem 'Historia de uma Pena', de Leonardo Mouramateus

"Mas nunca dá para ir embora de fato", diz o diretor. "Mesmo que você se sinta deslocado na sua cidade, precisa voltar, porque lá se reconhece, tem um lugar para descansar a cabeça. Fortaleza tem um céu lindo e as pessoas mais legais, mas é um lugar dificílimo para se viver. Falta transporte, a rua é ligada a marginais, os governos constroem sobre as ruínas de obras dos anteriores."

Apesar disso (ou será que por causa disso?), dança-se muito no cinema de Mouramateus. As cenas de festa embaladas por música eletrônica são marca registrada. "A festa é um lugar em que se fala menos, e os gestos são interessantes cinematograficamente: dançar, olhar e ser olhado, beber", justifica ele. "O contato é primeiro visual e corporal. A gente descobre o nome do outro depois."

Nessa dimensão sensorial está um dos trunfos do estilo do cearense, segundo o programador da Cinemateca Francesa Bernard Payen, que pinçou quatro curtas dele para uma sessão em março e depois o escalou para um festival em Grenoble.

"Chama a atenção a energia do cinema dele, o senso de ritmo, de ruptura, a maneira que ele tem de encarar os filmes como uma experiência física ou musical, esse jeito de filmar como se estivesse compondo electro", analisa, por e-mail. "E há também um lado melancólico: esta consciência que o faz falar do presente meio quase que em retrospecto."

Mouramateus prepara sua estreia em formato longo. Em Portugal, onde estuda, já começou a rodar "António Um, Dois, Três", no qual flagra, em episódios à la Carlitos, as desventuras de um jovem patrício sem teto, sem namorada e sem rumo. Já "Pista de Dança", em fase de roteirização, reata com a juventude dourada do Ceará e suas noitadas hedonistas. O projeto deve incluir atores e colaboradores de longa data do cineasta.

"Não confio na minha própria experiência. E estou cansado de diretor filmando a própria barriga. A coisa mais chata do mundo é filme autofágico. Ninguém faz festa sozinho", conclui.

O jornalista LUCAS NEVES está hospedado em Locarno a convite da organização do festival


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