Folha de S. Paulo


Violência da revolta paulista de 1924 ganha bons relatos em novos livros

São Paulo em 1924 tinha muito em comum com alguns conflitos atuais no Oriente Médio.

Bombardeios aéreos que acertam civis indiscriminadamente, como no Iêmen hoje? São Paulo teve. Ataques de artilharia destruindo casas, fábricas, lojas, como na Síria ou no Afeganistão? São Paulo teve. Grupos rebeldes cavando trincheiras, tanques disparando suas armas e destruindo o calçamento das ruas com suas lagartas, como no Iraque ou na Líbia? São Paulo teve tudo isso, embora essa história hoje só seja conhecida ou lembrada por poucos.

Dois novos livros ajudam a desfazer a névoa que cobre a Revolta de 1924, uma das rebeliões militares da década de 1920 conhecidas como "tenentismo" por serem principalmente instigadas por oficiais de baixa patente.

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Multidão na padaria São Domingos, no Bixiga, após tentativa de saque em 1942; dono distribuiu pães para acalmar ânimos
Multidão na padaria São Domingos, no Bixiga, após tentativa de saque em 1942; dono distribuiu pães para acalmar ânimos

O jornalista e historiador Moacir Assunção escreveu "São Paulo Deve Ser Destruída "" A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924" (Record). E um livro de um personagem importante na rebelião, o tenente João Cabanas, foi reeditado, "A Coluna da Morte" (Unesp) –o original é de 1926.

Para se ter uma ideia de como o tema tinha sido deixado de lado, o último livro importante sobre os acontecimentos de 1924 foi publicado em 2007, também pela Editora Unesp, "Bombas sobre São Paulo - A Revolução de 1924", da historiadora Ilka Stern Cohen. Estes três livros resumem a bibliografia sobre a revolta publicada no século 21.

Os revoltosos, civis e militares, protestavam contra a corrupção do governo federal e a própria estrutura política da República, baseada no aliciamento de eleitores e na definição das eleições por conchavos entre as elites. Na madrugada do dia 5 de julho de 1924, unidades rebeldes do Exército e da Força Pública (hoje Polícia Militar) começaram a ocupar a capital paulista.

O plano era marchar as tropas ao Rio de Janeiro (então capital do país) para depor o presidente, Arthur Bernardes. Tropas legalistas reagiram, e a marcha se tornou impossível. A luta se espalhou pela cidade, durando quase um mês.

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O compositor Adoniran Barbosa em frente à padaria São Domingos, no Bairro do Bixiga, em São Paulo
O compositor Adoniran Barbosa em frente à padaria São Domingos, no Bairro do Bixiga, em São Paulo

503 MORTOS

"Na mística revolta estadual de São Paulo, a Revolta de 1924 perde de longe, em termos de projeção e fama, para a Revolução Constitucionalista de 1932, tema muito mais conhecido pelos paulistas e que integra os chamados marcos da paulistanidade", escreveu Assunção.

"No entanto, a Revolta de 1924 foi muito mais cruenta que a de 1932, na qual a luta se travou fora dos limites da capital paulista e o número de baixas, em termos porcentuais, foi menor. Em 1924, quase toda a cidade foi bombardeada, enquanto que em 1932 o bombardeio foi pontual", continua o autor.

Foram 503 mortos, milhares de feridos, e 250 mil pessoas saíram da cidade e se refugiaram no interior.

Ilka Cohen já tinha comentado em seu livro que esse "esquecimento" de 1924 se deve a não existirem motivos de comemoração. Para ela, "a Revolução de 1924 foi um desastre que afetou seus promotores, seus oponentes e, em especial, os habitantes da cidade de São Paulo, que invariavelmente relembram, quando inquiridos ou relidos, a dimensão da tragédia: vidas interrompidas, milhares de feridos, privações, mortes, fome e frio".

O tenente de cavalaria da Força Pública João Cabanas certamente foi um dos personagens mais interessantes dos eventos de julho. Foi ferido em combate no bairro do Belenzinho e requisitou um trem na estação da Luz. Na locomotiva –que tinha escrito na frente "Columna da Morte"–, ele escapou da cidade durante a retirada dos revoltos com apenas 95 soldados. Dirigiu-se para Campinas e depois percorreu a região ao longo da divisa São Paulo-Minas Gerais.

"Valeu-se da bravata como arma de intimidação e mesmo dissuasão, fazendo anunciar sua chegada por telegrama às autoridades locais do município da estação seguinte. Fez a coluna de 95 soldados parecer uma de 300 ou mais. Alardeava efetivos e armas que não tinha", escreveu na introdução da nova edição o sociólogo José de Souza Martins.

Deu certo. Além de praticar uma forma de justiça contra desmandos de "coronéis" políticos que encontrava pelo caminho, Cabanas conseguiu retardar a perseguição e permitir aos revoltosos buscarem asilo no exterior.

São Paulo Deve Ser Destruída
AUTOR: MOACIR ASSUNÇÃO
EDITORA: RECORD
QUANTO: R$ 45 (280 PÁGS.)

A Coluna da Morte
AUTOR: JOÃO CABANAS
EDITORA: UNESP
QUANTO: R$ 56 (390 PÁGS.)


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