Folha de S. Paulo


Anticonvencional, o francês 'Party Girl' é boa mescla entre real e ficção

"Party Girl" é um objeto estranho e não é. Seu centro é a vida de Angélique, uma ex-dançarina e prostituta já entrada em anos.

Nem sempre Angélique está de bem consigo mesma. Às vezes bebe demais. Às vezes sente-se só. Num desses momentos é que procura Michel, mineiro aposentado, antes cliente fiel e agora sumido. Conversa vai, conversa vem, sabemos que os dois são até amigos e se dão muito bem. Tão bem que Michel propõe casamento a Angélique.

É uma bela cena, a do pedido de casamento, é verdade, mas o melhor está por vir e é o que marca a originalidade do filme. Primeiro, a intriga: como se comportarão os filhos (quatro) de Angélique diante de um evento dessa natureza?

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A atriz e ex-prostituta Angélique Litzenburger (à dir., ao fundo) em cena de 'Party Girl'
A atriz e ex-prostituta Angélique Litzenburger (à dir., ao fundo) em cena de 'Party Girl'

Segundo, como Angélique reagirá a tal mudança na própria vida? Pois a velha dama indigna contraria o clichê e sente-se absolutamente bem em sua profissão. Logo na primeira noite ao lado de Michel na condição de noiva, sente-se inibida. Inibidíssima.

A família também contraria o clichê: eis filhos que amam sua mãe e a apreciam como ela é. Essa é a história –até onde pode ser contada.

O que se põe depois é uma questão de forma. A opção por uma forma documental (não um documentário) é fundamental para que "Party Girl" seja o que é. Trabalha-se com atores amadores, que improvisam fartamente os seus papéis.

Como acontece com frequência nesses casos, cenas conduzidas de modo que parece amador alternam-se com outras bem felizes (as cenas amadorísticas podem acontecer seja por pressão do tempo, seja para não perder atitudes espontâneas dos atores).

Estamos, em princípio, perto de um cinema praticado com frequência, em vários níveis: de Éric Rohmer a Abbas Kiarostami. O que "Party Girl" tem de particular é buscar atores amadores (como Kiarostami, por exemplo) que representam suas próprias histórias (no que o filme se aproxima do método Rohmer).

A combinação dos dois procedimentos é interessante por vários motivos, sendo que alguns extravasam a cena. O principal: Angélique Litzenburger, ex-prostituta, atriz e personagem, é a mãe de Samuel Theis, ator, corroteirista e codiretor de "Party Girl".

É de sua vida passada que trata o filme: fato incontornável, seja pela premiação que recebeu –levou em 2014 o Caméra d'Or, prêmio de melhor primeiro filme concedido pelo Festival de Cannes–, seja pela própria publicidade do longa, que é em torno disso, de sua "veracidade".

Fato inquietante. Pois a veracidade suposta contrasta com o caráter ficcional do filme, afirmado, aliás, pelo próprio Samuel Theis. Onde estará então a verdade de "Party Girl": em seu aspecto documental ou no ficcional?

O tempo é que poderá esclarecer melhor esse tipo de dúvida. Por ora temos diante de nós um filme anticonvencional em vários níveis, não raro bem-sucedido e interessante sempre.

PARTY GIRL
DIREÇÃO: MARIE AMACHOUKELI-BARSACQ, CLAIRE BURGER E SAMUEL THEIS
ELENCO: ANGÉLIQUE LITZENBURGER, JOSEPH BOUR E MARIO THEIS
PRODUÇÃO: FRANÇA, 2014
QUANDO: EM CARTAZ
CLASSIFICAÇÃO: 14 ANOS


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