Folha de S. Paulo


Filme sobre o tabloide 'Meia Hora' erra ao não mostrar populares

Fundado em 2004 no Rio de Janeiro pelo grupo editorial responsável pelo jornal "O Dia", o tabloide "Meia Hora" rapidamente tornou-se um sucesso de vendas, graças ao preço baixo –custava, à época de seu lançamento, R$ 0,50–, a textos curtos e simples, e a manchetes espertas e divertidas, cheias de trocadilhos e piadas de duplo sentido, ilustradas com fotos espalhafatosas de crimes sangrentos e popozudas.

Uma famosa capa do "Meia Hora" anunciou a morte de Hugo Chávez, em 2013, fazendo alusão a Chaves, o personagem humorístico da TV; outra fez piada com a morte do cantor Chorão: "Trocou o Charlie Brown Jr. pelo Sepultura". Muita gente achou de mau gosto.

Amado ou odiado, o fato é que o "Meia Hora" virou personagem fundamental do jornalismo popular do Rio e agora é objeto de um documentário, "Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchetes", de Angelo Defanti.
É uma pena que um jornal conhecido pelo humor, transgressão e facilidade de comunicação com o público mais humilde tenha merecido um filme tão sem graça, careta e verborrágico.

Divulgação
Cena do documentário que estreia nesta quinta-feira (6)
Cena do documentário que estreia nesta quinta-feira (6)

O documentário tem 78 minutos de duração. E todos os 78 minutos são compostos de entrevistas, filmadas em estúdio, com editores e colunistas do jornal. Não há uma imagem da Redação, uma cena de repórteres na rua ou uma externa sequer. O espectador termina o filme sem ver como o jornal é feito no dia a dia. Para um jornal que se diz "popular", espanta também a ausência absoluta de qualquer popular. Não há uma entrevista com leitores.

É de se esperar que um documentário sobre jornalismo faça jornalismo. Mas o filme parece uma peça publicitária. Há, inclusive, uma tediosa entrevista com um publicitário, em que ele lembra todos os slogans que criou para o lançamento da publicação.

Teria sido fantástico para o espectador acompanhar a rotina de repórteres do "Meia Hora" e entender o processo de produção do jornal. Por que não entrevistar as celebridades, artistas de TV e jogadores de futebol esculhambados pela publicação, para saber a opinião deles sobre o jornal e como reagiram às matérias? Em vez disso, temos um interminável blá-blá-blá autocongratulatório, em que os editores comentam as manchetes que eles próprios criaram. O filme está mais para "Diário Oficial" do que para "Meia Hora".

Para finalizar, vale lembrar que uma famosa manchete de 2008, considerada "um divisor de águas" por um dos editores –"Luana não tem mais Dado em casa"–, sobre as brigas do então casal Luana Piovani e Dado Dolabella, não era tão nova assim.

Uns 30 anos antes, o jornal humorístico "Planeta Diário" vendia uma camiseta com a mesma piada, "Você tem dado em casa?", ilustrada com a foto de um dado (mas a melhor camiseta dizia: "Vá ao teatro, mas não me chame!").

MEIA HORA E AS MANCHETES QUE VIRAM MANCHETES
QUANDO: ESTREIA NESTA QUINTA (6)
PRODUÇÃO: BRASIL, 2014
DIREÇÃO: ANGELO DEFANTI

ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e autor do livro "Pavões Misteriosos" (Três Estrelas).


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