Folha de S. Paulo


Ken Loach encena seu último ato de rebeldia em 'Jimmy's Hall'

"Jimmy's Hall" foi anunciado pelo diretor britânico Ken Loach, 79, como seu último trabalho de narrativa de ficção, ao ser apresentado na competição do Festival de Cannes do ano passado.

Nesse contexto, o filme pode ser visto como o balanço de um percurso que chega a um ponto final, assim como um último ato de afirmação de ideais, como o impulso à rebeldia e a oposição a toda forma de manifestação de autoritarismo, recorrentes na filmografia de Loach desde seus primeiros trabalhos na década de 1960.

Depois de conquistar respeitabilidade na TV e como documentarista, a trajetória de Loach na ficção se adensou a partir dos anos 1980, com uma fidelidade admirável à ideia de cinema político.

Político aqui não se resume aos temas, mas também torna explícito o engajamento por meio de uma forma.

No caso do cinema politizador de Loach, esta se resume ao tratamento realista de evidente inspiração documental, a narrativas conduzidas pela emoção de personagens motivados por ideais e ao feitio clássico que distingue com total clareza os justos dos exploradores.

Em "Jimmy's Hall", Loach ainda retoma a estrutura bem-sucedida que utilizou nos longas em que propôs um mergulho no passado para identificar quais e como certas forças resistiram à derrota histórica ou ao anacronismo.

Tanto "Terra e Liberdade" (1995) como "Ventos da Liberdade" (2006) reconstituíram episódios de luta na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e na Guerra Civil Irlandesa (1922-1923) e, em meio a isso, examinaram como indivíduos foram alçados à condição de heróis libertários.

Jimmy Gralton (1886-1945), interpretado por Barry Ward em "Jimmy's Hall", combina a faceta do homem combativo com o retrato social, outro aspecto predominante nos filmes de Loach.

CRISE

Depois de viver anos como imigrante nos Estados Unidos, o retorno à Irlanda natal posto na abertura do filme é mostrado como consequência da Grande Depressão do início dos anos 1930.

As imagens que acompanham os créditos de apresentação exibem os efeitos do crack de 1929 nas ruas e nas faces, deixando assim de ser um impessoal acontecimento histórico.

Quando Gralton, movido por apelos de um grupo de jovens, decide reinaugurar seu antigo salão, agora com função comunitária, no qual se pode aprender literatura e artes de dia e vivenciar o lazer e o prazer de músicas e danças à noite, seu papel de liderança é interpretado como uma forma de subversão.

Se a derrota do personagem serve como metáfora para a própria decisão de Loach de jogar a toalha num momento em que o cinema se encontra refém da lógica exclusiva do entretenimento, o modo como o diretor encena o fim como um legado demonstra como ele acredita que toda luta continua.

JIMMY'S HALL
QUANDO: ESTREIA NESTA QUINTA (6)
CLASSIFICAÇÃO: 14 ANOS
ELENCO: BARRY WARD, FRANCIS MAGEE
PRODUÇÃO: REINO UNIDO/FRANÇA/IRLANDA, 2014
DIREÇÃO: KEN LOACH


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