O melodrama pode ser um gênero ingrato. Com um pouco de contenção demais, corre o risco de virar um drama chocho. Com um pouco de excesso no tempo ou lugar errado, evolui para o novelão.
É esse tipo de risco que Jorge Furtado, até hoje muito mais próximo das formas ligadas ao humor, optou por correr ao experimentar o gênero de Douglas Sirk, Fassbinder e Almodóvar.
Na verdade, "Real Beleza" começa mais no primeiro registro. Depois de uma animadora cena de abertura, acompanhamos o fotógrafo João em sua busca pela modelo ideal, que possa recolocar sua carreira nos trilhos.
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Vladimir Brichta e Adriana Esteves em 'Real Beleza' |
E temos aquilo: milhões de meninas, adolescentes, algumas pré-adolescentes, sendo fotografadas, descartadas etc. até que ele topa com Maria. E, em seguida, com o problema de Maria: o pai não aceita que ela siga carreira.
Em busca de consentimento, o fotógrafo encontrará Anita, a mãe da menina. E João se deixará fascinar por ela. Infelizmente, ela é bem menos fascinante do que talvez sugerisse o papel.
Certo é que uma relação amorosa se insinua. Há um bom momento, uma espécie de sobressalto na evolução até aí frouxa, quando a mãe subitamente surge nua.
O melhor do filme começa mais ou menos na metade, quando Pedro, o pai de Maria, volta de viagem. Ele é um intelectual e quer que a filha continue a estudar. Mas é agora, aos 15 anos, que ela pode se tornar modelo. Depois é tarde etc. etc.
Com Pedro em cena (e um ótimo Francisco Cuoco no papel), o filme afirma enfim seu conflito. Não tanto entre o pai e o fotógrafo pelo consentimento, mas entre dois mundos.
De um lado estão as letras, as artes clássicas, "o conhecimento", como diz Pedro. De outro, a imagem, a superficialidade, a beleza, como sustenta João. Traço de união entre eles: as fotos de Cartier-Bresson. Conhecimento pela superfície.
Aparentemente, é esse conflito que de fato interessa a Jorge Furtado no filme. E é uma pena que, para fechar o longa, tudo se resuma a um triângulo amoroso que, a bem dizer, pouco parece interessar aos participantes.
Se não cede à vulgaridade, também parece claro que esse tema pessimista, o de transição de um tipo de civilização a outro (sendo que o autor parece preferir, com clareza, o mundo que desaparece) foi aqui apenas esboçado, e ainda está à espera de um tratamento mais radical por Furtado.