Folha de S. Paulo


Pupilo de mestre japonês da tatuagem, Jun Matsui vira tema de documentário

Horiyoshi 3º, um dos mais importantes tatuadores do Japão, vive e tatua em uma pequena casa numa rua tranquila em Yokohama. Visitei-o em 2006 para uma sessão de fotos e, após alguma insistência, saí de lá com um "presente" tatuado no antebraço direito.

Pedi para que ele desenhasse o que quisesse e ganhei o ideograma referente a dragão.

Nove anos depois, encontrei Jun Matsui, também em uma rua calma, dessa vez no bairro de Alto de Pinheiros, em São Paulo, na casa em que tatua e vive com a mulher, Julia, e os dois filhos, Hari, 2, e Nui, de seis meses.

João Wainer/Folhapress
O tatuador Jun Matsui, tema de documentário dirigido por Andre Ferezini
O tatuador Jun Matsui, tema de documentário dirigido por Andre Ferezini

Jun viveu no Japão de 1990 a 2007 e desenvolveu uma forte amizade com Horiyoshi 3º.

O mestre de 69 anos o ensinou a exercer o ofício de tatuador assim como o de um artesão e a entender e respeitar os significados e os rituais ancestrais da tatuagem nipônica.

A cultura oriental que moldou esse filho de japonês com pernambucana nascido em Recife está presente em cada detalhe da casa em que recebeu a reportagem da Folha.

Jun tatua a mão livre e tem um traço único que segue de forma harmônica e intuitiva o contorno do corpo de seus clientes, o que faz de cada tatuagem uma peça original, e de seu autor um dos mais respeitados profissionais do Brasil.

Foi enquanto se tatuava com Matsui que o diretor Andre Ferezini decidiu fazer um filme sobre ele. "Foram várias sessões. Na primeira, conversamos, na segunda ele desenhou no meu braço com caneta, e só na terceira entraram as agulhas", lembra Ferezini.

"Percebi que havia algo de especial na maneira com que Jun conduzia aquele processo e decidi propor o filme."

Jun aceitou sem pensar. "Tomo decisões complexas rapidamente e passo horas para resolver coisas banais, como o posicionamento de um vaso sobre a mesa", explica o tatuador, com bom humor. "Achei que apareceriam dois caras com uma câmera, mas quando vi tinham umas 12 pessoas aqui em casa."

Cinco anos depois, o documentário de curta metragem "Jun Matsui", produzido pela Vetor Filmes e lançado em Londres em parceria com o selo inglês Sang Bleu, terá sua estreia no Brasil no dia 4, em evento para convidados no Cine Joia, em São Paulo.

Jun Matsui
Desenho do tatuador Jun Matsui feito para a
Desenho do tatuador Jun Matsui feito para a "Ilustrada"

CELEBRIDADE

Durante a adolescência, Jun vivia no Jaguaré, andava de skate e só pensava em sair do Brasil. "Queria ir para a Califórnia, mas não tinha dinheiro. Assim que fiz 18 anos fui até uma agência de empregos na Liberdade e me inscrevi para uma vaga na fábrica da Toyota, em Nagoya", conta.

"Embarquei com US$ 100 que ganhei de um tio e gastei US$ 40 para comprar um boné no aeroporto." O emprego na montadora durou apenas seis meses, até que a tatuagem passou a ocupar o tempo de Matsui no Japão.

Em Tóquio, Jun viveu momentos estranhos. Foi intimado a tatuar o desenho de uma tartaruga no pênis de um mafioso e passou a ser perseguido por paparazzi ao namorar uma cantora pop japonesa.

Acabou virando celebridade. Essas histórias lhe deram fama no Japão e viraram uma reportagem na capa do extinto jornal brasileiro "Notícias Populares", em que a manchete dizia: "Tatuador da máfia japonesa é do Jaguaré".

"Quando alguém vem tatuar comigo, ou está em sua plenitude, ou está completamente perdido", afirma Jun no começo do documentário.

Nos cinco anos que o filme levou para ficar pronto, diretor e personagem tiveram filhos, ficaram amigos e chegaram juntos ao que consideram a plenitude, que transparece tanto no curta metragem quanto no traço de Jun.
Nessa nova fase da vida do artista, além da tatuar, ele produz joias e roupas que vende em uma loja inaugurada no centro de São Paulo.

Ouvi de Horiyoshi 3º que não haverá um Horiyoshi 4º, porque hoje a tatuagem se banalizou e se distanciou do ofício tradicional que aprendeu com seus mestres.

É bom saber que aqui no Brasil ainda existe um tatuador como Jun, que mantém viva a essência dessa arte.

Reprodução
Cenas do documentário
Cenas do documentário "Jun Matsui"

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