Folha de S. Paulo


Mostra em SP joga luz sobre olhar voyeurístico de fotógrafo Alair Gomes

Da janela dos fundos de seu apartamento no sexto andar de um prédio em Ipanema, no Rio, Alair Gomes apontava uma teleobjetiva para os garotos que via desfilar pela praia. Sua obra, descoberta pelo grande público só depois de sua morte, aos 70, em 1992, entrou para a história como um testemunho do culto ao corpo sob o sol faiscante.

Na verdade, o trabalho de Gomes, agora tema de uma retrospectiva na Caixa Cultural, transcende flagras superficiais de belos rapazes. Numa de suas séries mais célebres, os corpos desses jovens retratados ao meio-dia sobre a areia branca do cartão-postal carioca são finos traços negros ritmados sobre um fundo neutro.

"Essas figuras são como notas numa partitura musical", compara Eder Chiodetto, que organiza a mostra paulistana. "São sempre dois garotos se exercitando, em movimento, como no cinema, mas o Alair subtrai a ideia de filme, ele cria um tempo fragmentado."

Também fragmentados, os corpos que surgem nas imagens do artista lembram a estatuária clássica, em especial as ruínas. Em planos fechados, esses homens aparecem às vezes como peitos, costas e bundas fora de contexto, do mesmo jeito que formas pétreas em frangalhos surgem dispostas em prateleiras de museu.

Enquanto habita a dimensão do fetiche, embevecido pela beleza masculina, Gomes também parece expressar certo desejo à distância, um carinho voyeurístico, em relação a seus retratados –traço que o leva para longe do terreno da pornografia, onde muitos já enquadraram sua obra.

Sarah Meister, responsável pelo acervo fotográfico do MoMA, em Nova York, também identificou isso na obra do artista, o que justificou uma compra recente de suas imagens para o museu. "Além do olhar fetichista, esses trabalhos estão cheios de amor", diz ela. "Existe uma ternura verdadeira nesse olhar, mesmo dirigido a algo distante."

Em alta, a obra homoerótica de Gomes, que entrou para o radar com a sala dedicada ao artista pela Bienal de São Paulo há três anos, também vai ocupar em agosto todo o espaço da galeria Bergamin & Gomide na SP-Arte/Foto.

Na Caixa Cultural, no entanto, uma série inédita do artista, em que retratou hippies na praça da República, em São Paulo, escancara outra vertente poderosa de sua obra.

Estrangulado em circunstâncias até hoje não esclarecidas no apartamento onde construiu quase todo o seu trabalho, Gomes não viveu para ver sua fama e só agora entra para a elite da fotografia.

ALAIR GOMES
QUANDO de ter. a dom., das 9h às 20h; até 4/10
ONDE Caixa Cultural, pça. da Sé, 111, tel. (11) 3321-4400
QUANTO grátis


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