Folha de S. Paulo


Recital de outro tempo de Elomar seduz plateia sem luzes de celular

Antes dos shows de Elomar no Auditório Ibirapuera no último fim de semana, o mestre de cerimônias pediu, de modo mais veemente que o normal, para ninguém filmar ou fotografar o espetáculo. Fazê-lo, disse, seria quebrar "um pacto firmado lá no sertão".

Referia-se às longas negociações para trazer o recluso compositor, que mal sai de suas fazendas na região de Vitória da Conquista, sertão da Bahia, para dois concertos (que se tornaram três) e uma exposição em sua homenagem no Itaú Cultural.

Como lembrou Elomar no show, aos 16 ele "já tinha uns cem anos de idade" –e, quando contava 33, gracejou, um historiador estimou sua idade em 2.000 ou 3.000 anos.

Aos 77, no registro oficial do cartório, tem se tornado cada vez mais avesso à obsessão pela imagem comum ao século 21, evitando ser fotografado e dar entrevistas.

Fato raro nos dias que correm, o público respeitou à risca o pacto, tornando o teatro um ambiente guardado e antigo como o artista da noite.

E um ambiente apropriado aos temas que canta Elomar, cuja obra transporta o cancioneiro medieval (cantigas de amigo, óperas, antífonas, peças sinfônicas) para o sertão nordestino. Os personagens de suas músicas são bois indomáveis em luta com vaqueiros brabos, retirantes que vão a São Paulo trabalhar para montar o enxoval e retornar ao sertão –mas não voltam por alguma tragédia amorosa.

Seja pela temática ou pela proposta estética, Elomar canta outro tempo e outro mundo.

Nos concertos do Auditório Ibirapuera, ele esteve acompanhado do filho João Omar, maestro e violonista assombroso, e de convidados como os violeiros Heraldo do Monte e Chico Saraiva.

Num palco simples, sempre com seu chapelão característico e tendo um couro de bode sob os pés, Elomar fez uma retrospectiva de uma trajetória de quase 50 anos (seu primeiro compacto saiu em 1968), priorizando composições mais atuais, entre elas uma peça para violão solo –executada primorosamente por João Omar– que integra um álbum "Ao Sertano", a ser apresentado em agosto em São Paulo pelo violonista.

Dos clássicos, a noite de sábado teve apenas "Campo Branco" e "Cantiga de Amigo", esta no bis, ambas cantadas em coro pelo público que lotava o teatro e que aplaudiu de pé o espetáculo.

Reproduzir o universo mítico e de Elomar é o propósito também da mostra aberta no sábado (18) no Itaú Cultural.

Criou-se, num espaço limitado, o ambiente de sua casa de fazenda. Estão ali manuscritos (como o de seu romance de cavalaria "Sertanílias"), partituras, croquis (o artista é também arquiteto), fotos, vídeos e, claro, sua música.

É uma mostra simples e bonita. Mas o próprio modelo expográfico que reina na arte contemporânea –multimídia, interativo e lúdico– destoa imensamente do universo do homenageado.

Decerto tem o mérito de introduzir à metrópole uma obra singular. Cabe apenas perguntar se caixas de som sensoriais (que tocam ao serem pressionadas) e carimbos de bode e viola em papel de carta são a linguagem mais coerente para traduzir um projeto estético tão avesso ao contemporâneo.

DA CARANTONHA MILI LÉGUA A CAMINHÁ
AVALIAÇÃO muito bom

OCUPAÇÃO ELOMAR
QUANDO de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb., dom. e feriados, das 11h às 20h; até 23/8
ONDE Itaú Cultural - av. Paulista, 149; tel. (11) 2168-1777
QUANTO grátis
AVALIAÇÃO bom


Endereço da página:

Links no texto: