Folha de S. Paulo


Aplausos e vaias marcam debate sobre democracia na Casa Folha

Aos gritos de "Ignorância! Me recuso a continuar ouvindo isso!", um senhor barbado de chapéu, colete de caça e óculos de sol deixou a Casa Folha em pleno debate sobre a democracia, realizado na tarde desta quinta (2) entre os colunistas da Folha Guilherme Boulos e Bernardo Mello Franco.

A intervenção foi, para Boulos, coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), o exemplo mais acabado da polarização que vem dominando o debate político nos últimos anos –o grito, acompanhando de algumas vaias e muitos aplausos, foi em resposta ao argumento dele de que "não foi o PT quem inventou a corrupção".

Sob mediação do também colunista Fernando Canzian, o jornalista Mello Franco e Boulos, no entanto, não pouparam críticas ao atual governo e a anteriores.

Boa parte do debate foi em torno das razões que levaram a presidente Dilma, num intervalo de quatro anos, a passar de uma avaliação mais alta que a de Lula em seu melhor momento para outra equiparável a de Collor na véspera do impeachment.

"Para fazer uma analogia bem rasteira, é como se para se reeleger ela estivesse segurando com a mão uma corrente de água –você até consegue segurar uma parte, mas o resto vai passando", disse Mello Franco, destacando a fragilidade das bases que garantiram este segundo mandato.

O jornalista lembrou que foi a votação mais apertada das eleições diretas, o que já sinalizava uma virada de humor. "Ela se reelegeu na base das pedaladas nas contas públicas para disfarçar o desarranjo completo nas contas e de uma inflação artificialmente represada, e ainda dependendo de uma coalizão frágil, com partidos de centro e de direita a apoiando em troca do fisiologismo no congresso e que agora estão se afastando."

Boulos abriu sua fala elogiando a presença, no público, de frei Betto. "É uma honra falar de democracia na frente de um símbolo da luta pelo país", disse, conquistando aplausos, que se multiplicaram quando ele criticou a manobra que, nesta quarta (1º), permitiu ao Congresso reverter o resultado de votação da proposta de redução da maioridade penal, que havia sido rejeitada no dia anterior.

"É triste falar de democracia horas depois de uma das manobras mais escandalosas e antidemocráticas da história recente, como a que vimos ontem, praticada pelo [deputado] Eduardo Cunha, que menos de 24 horas depois de perder a votação estuprou, violou o regimento."

Mello Franco também foi crítico à reviravolta, questionando os argumentos de que a redução da maioridade penal faz sentido num país em que 87% da população apoia a ideia. "O Congresso não pode ser um carimbador de pesquisas. Se for isso, a gente coloca Ibope e Datafolha para definir nossa legislação."

Boulos lamentou estratégias do governo Lula, que segundo ele manteve "um pacto conservador, sem mexer no essencial, na estrutura tributária, no sistema político, fazendo manejos no Orçamento só possíveis pelo crescimento econômico", e afirmou que não se pode creditar apenas à inabilidade de Dilma a crise atual. "O que houve foi que ela tentou empurrar com a barriga um sistema que não tinha mais como funcionar."


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