Folha de S. Paulo


Poeta Mariano Marovatto revê criação de 4º disco da Legião Urbana

Era 1989, e o garoto de sete anos perguntou à mãe por que "cocaína era só tristeza", como trovejava aquela voz grave no rádio. No volante, preocupada com a hora da natação dos filhos no banco de trás, ela não filosofou muito sobre a questão. "Ah, meu filho, não entendo muito essa música chata", ele recorda.

Mariano Marovatto cresceu atrás de respostas. Hoje, tem 33 anos e um livro dedicado às 11 faixas de "As Quatro Estações", da Legião Urbana –entre elas "Pais e Filhos" e "Há Tempos", a canção sobre uma "tristeza tão exata" que 26 anos antes a mãe achou "chata", e ele, "estranhíssima".

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Dado Villa-Lobos, Renato Russo e Marcelo Bonfá em capa do disco
Dado Villa-Lobos, Renato Russo e Marcelo Bonfá na capa de "As Quatro Estações", da Legião Urbana.

Afinal, para o menino Mariano, "as outras canções de rock brasileiras eram mais simples de serem entendidas", de Paralamas a Titãs.

O poeta carioca refaz o processo de criação do quarto álbum da Legião no homônimo "As Quatro Estações" (editora Cogobó). Nesta quinta-feira (2), o autor discute a quantas anda a lírica de língua portuguesa, em mesa com a lisboeta Matilde Campilho na Flip, em Paraty.

Tema que se cruza com essa fase específica da banda de Renato Russo (1960-1996), o autoproclamado "trovador solitário". Se antes o rock'n'roll legionário se embriagava da fonte do punk inglês, o momento era de se reinventar.

Russo considerava o disco "todo lírico". "Eu tinha que tirar Brasília do meu sistema", afirma em entrevista que deu aos 33 anos, três antes de morrer, e é reproduzida no livro.

"Com mais densidade poética", o álbum é o primeiro que a banda faz fora da capital do país, num estúdio carioca. E Russo, quase trintão, estava pronto para tirar esqueletos do armário. Com "Meninos e Meninas", em que canta gostar dos dois, "ele finalmente sai do armário", diz o autor.

"No Brasil até agora só saíram do armário o Clodovil, a Roberta Close e eu", ironizou Renato Russo à época, em fala transcrita por Marovatto.

Compõe "Feedback Song for a Dying Friend" pensando no fotógrafo americano Robert Mapplethorpe, que foi vítima da Aids naquele 1989.

Russo também tinha dois amigos que morreram assim. Cazuza (1958-1990) acabara de assumir a doença. O próprio legionário provavelmente foi contaminado por essa época, quando também se viciou em heroína após engatar "um namoro completamente errado com um americano", diz Marovatto sobre Robert, o catador de lixo bonitão.

Muito do livro se baseia em 86 tapes emprestadas por Dado Villa-Lobos, guitarrista da Legião. Delas, 14 trazem ensaios, versões prévias e músicas deixadas de fora do álbum –e até hoje inéditas.

Marovatto também revela curiosidades. Dado lhe contou que a banda sempre acabava de gravar por volta das 20h, para não perder a novela "Vale Tudo" (Globo), a da vilã Odete Roitman.

O riff que abre "Pais e Filhos" é inspirado em "Baby Can I Hold You", música na trilha do folhetim. Tudo porque Russo queria uma introdução para a canção e perguntou: "Como é aquela música da Tracy Chapman que toca na novela? Podia ser uma coisa naquela onda folk dedilhada, né?".

AS QUATRO ESTAÇÕES
AUTOR Mariano Marovatto
EDITORA Cogobó
QUANTO R$ 32 (88 págs.)


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