Folha de S. Paulo


Filme sobre Nina Simone apresenta foco, revelações e timing excelentes

Alguns documentários brasileiros sofrem do mesmo problema de que padecem alguns perfis jornalísticos brasileiros: ouvem-se o personagem principal e mais duas ou três outras pessoas, faz-se muito pouca pesquisa e considera-se o trabalho pronto.

O oposto ocorre num país como os Estados Unidos, com longa tradição no gênero. Neste nível de excelência está "What Happened, Miss Simone?" (o que aconteceu, senhorita Simone?), da diretora Liz Garbus, que o serviço por demanda Netflix colocou no ar na última sexta (26).

Divulgação
A cantora Nina Simone em cena do documentário 'What Happened, Miss Simone?
A cantora Nina Simone em cena do documentário 'What Happened, Miss Simone?'

Aqui há foco (a transformação da cantora e pianista numa importante peça do movimento negro pelos direitos civis nos EUA), revelações (como fotos e trechos de diários inéditos de Nina Simone) e timing, embora este último aspecto não seja mérito da diretora ou dos produtores.

O título do documentário é parte de um artigo que a poeta negra Maya Angelou (1928-2014) escreveu sobre ela no começo dos anos 70, quando a cantora já tinha deixado de lado o posto confortável de diva do jazz e encarnado o de ativista, alienando com isso boa parte de sua base de fãs.

"Senhorita Simone, a senhora é idolatrada, mesmo amada, por milhões hoje em dia. Mas o que aconteceu, senhorita Simone?", escreveu ela. Embora faça parte de uma entrevista, a pergunta é retórica. A resposta Nina Simone daria em centenas de performances nas quais ressaltava o repertório engajado.

A joia da coroa é "Mississippi Goddam" (Maldito Mississippi), que ela escreveu em minutos, segundo depoimentos do documentário, após o assassinato de quatro meninas negras numa igreja em Birmingham, Alabama, em 1963.

O filme chega ao público numa semana de um ano em que aquele país vive um recrudescimento da tensão racial, movido por episódios recentes de violência envolvendo policiais brancos e vítimas negras, seguidos de protestos.

Chega também dias depois de um ataque racista a uma igreja evangélica na Carolina do Sul que deixou nove mortos e levou o presidente Barack Obama a cantar o hino "Amazing Grace" no funeral de um deles.

O episódio e o discurso de Obama na ocasião estão sendo considerados uma virada na atitude de um presidente que foi eleito, em 2008, por ser supostamente "pós-racial" e desde então vinha se portando com cautela -cautela demais, para alguns- em relação a essa questão, que, mostram os últimos acontecimentos, continua tão presente quanto nos anos 1960.

Nina Simone morreu em 2003, mas sua causa e sua música seguem atuais.

NA TV / INTERNET
'What Happened, Miss Simone?'
Exibição do documentário
QUANDO disponível na Netflix
AVALIAÇÃO ótimo


Endereço da página: