Folha de S. Paulo


Irmã de Romero Britto escreve livro e acusa artista de desleixo com a mãe

Ele a chama de Beta, ela o chama de Melo. Há quem os tome por gêmeos, tamanha a semelhança física (brinque de jogo dos sete erros na foto desta página, com Demi Moore).

"Sou a musa do meu irmão", diz a pernambucana Roberta Britto, 49 anos, dois a menos que Romero. "Ele só me pinta. Estou em várias telas."

Melo tira Beta do sério às vezes. "Tenho raiva dele porque é minha família, e famílias brigam", ela diz à Folha sentada numa poltrona Romero Britto, à venda por R$ 7.000 na galeria Roberta Britto, na rua Oscar Freire, em São Paulo. Lá vende obras do irmão e de artistas que trabalham com material orgânico e pop art.

Em livro ainda sem título, a caçula de nove irmãos (entre 49 e 69 anos) narra a história do clã Britto –e não poupa passagens mais cinzentas do que a obra do familiar famoso.

Nas 200 páginas já escritas, inseriu críticas a um suposto descaso de Romero com o câncer que matou a mãe em 2012, aos 89 anos.

"Não foi só ele. Nenhum irmão trouxe uma fralda sequer pra nossa mãe", ela reclama de José Antônio, Romulo, Rosemiro, Robson, Roberval, Risoleta e Romero. O nono irmão, Austriclinio, já morreu.

Por meio de porta-voz, o artista responde: "É muito triste quando as pessoas sugerem o contrário, mas tenho sido sempre generoso com a minha família, e, enquanto puder, continuarei a sê-lo".

É DE FAMÍLIA

Romero Britto teve a quem puxar, diz Roberta. "Nossa mãe era uma mulher à frente do tempo. Na verdade, ela que tinha a veia artística. Era manicure, uma arte não valorizada. Fazia crochê, boneca de pano, cocada. Foi empregada doméstica, criava porcos até eles ficaram bem gordos."

Quando menino, sem poder comprar materiais adequados, Romero usava os esmaltes da dona Maria para pintar, na base do "não tem tu, vai tu mesmo", lembra a irmã. Improvisava telas em paredes e caixas de papelão.
Maria de Lourdes Marques dos Santos Rosemiro da Silva Brito era filha bastarda de um latifundiário. O marido tinha outras famílias e não era tão presente, Roberta diz do pai.

Em 2009,os médicos lhe diagnosticaram um câncer no peritônio. "É o mesmo que pegou a Hebe [Camargo], deixa o estômago inflado, parece que a pessoa comeu demais."

A conta no hospital Santa Catarina, na avenida Paulista, foi salgada –sem especificar o valor, sinaliza algo em torno de R$ 100 mil. "Não ia colocar minha mãe no SUS." A dívida, diz ela, ainda existe, daí a cobrança com o irmão famoso. "Estamos num impasse."

Ao mesmo tempo em que cuidava da matriarca, ela descobriu que também estava com câncer -removeu a mama esquerda e 33 linfonodos.

Não que Romero não ligue. Após operar os seios, por exemplo, Roberta acordou, e lá estava ele, com champanhe e duas taças. "Pra celebrar."

O problema, diz, é que ele trabalha demais. Se visitava mãe e irmã doentes no Brasil, aproveitava e fazia uma agenda profissional. Risco de morte corria Beta, mas era Melo quem não tinha vida.

"Romero é muito generoso, dá dinheiro pra caridade. Mas não pode esquecer nunca que tem uma real família. Uma vez estava em Florianópolis e vi o Cauã [Reymond] com a mãe. Quanto carinho... É isso!"

FAZ-TUDO

Apesar de desavenças pontuais, a família é unida, segundo Roberta. Conta que o irmão a levou em 1989 para morar em Miami. Ela aprendeu inglês com canções dos Bee Gees e ficou duas décadas.

Virou uma "faz-tudo" na galeria Romero Britto: de faxina a ajudar a pintar as várias demãos de tinta nos quadros. Também foi modelo por um dia: em 1990, desfilou com um maiô cavado para a Absolut Vodca quando ele fez uma campanha para a marca.

Gostou dos EUA. "No Brasil as pessoas são mais aculturadas. Lá gostam de arte, colecionam brindes do McDonald's, cartas de beisebol."

Mas voltou. Roberta, que se descobriu gay aos 27 anos, mora com "uma companheira maravilhosa" e vai de bicicleta para sua galeria na Oscar Freire.

"Todos nós temos um pouco de gay, até os animais", opina, sem querer falar da sexualidade do irmão (casado e com um filho de 25 anos, o Brendan). "Não me diz respeito."

O que lhe diz respeito, isso sim, é o "desprezo" que a crítica local reserva a Romero. Cita Tom Jobim ("no Brasil, fazer sucesso é ofensa pessoal") e Nelson Rodrigues ("toda unanimidade é burra").

Na biografia em andamento, escreveu: "Quando falo que arte tem que ser usufruída que nem uma Coca-Cola é porque vejo que um Romero consegue ser acessível a todos".

Mas crê que às vezes falta critério. "Esse Bom Ar [aromatizante com ilustrações de Romero], por exemplo. O logo é muito maior do que as imagens. Desvalorizou a ideia."


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