Folha de S. Paulo


crítica

Em 'Game of Thrones', é preciso apreciar a morte

ATENÇÃO: ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS

Um gaiato se passando pelo escritor George R.R. Martin se desculpou pelo Twitter após o final da quinta temporada de "Game of Thrones", exibido na noite do último domingo (14) pela HBO. Minutos depois, porém, emendou, evocando o slogan da série: "Mas qual parte de 'todos os homens devem morrer' vocês não entenderam?".

É brincadeira, mas o autor do tuíte tem razão. Quem acompanha "Game of Thrones" há cinco anos, tendo ou não lido os livros, e ainda se choca com a morte de personagens populares não captou o espírito fatalista da série.

O pacto entre autor e espectador exige que o segundo entenda que a jornada dos heróis de Martin pode ser (e frequentemente é) interrompida de forma horrível e abrupta, não raro associada a alguma forma de traição.

Foi assim com Ned Stark (Sean Bean) na primeira temporada, decapitado após receber uma promessa de perdão; foi assim com Robb Stark (Richard Madden) na terceira temporada, morto pelos convidados de seu casamento; foi assim agora na quinta, com Jon Snow (Kit Harrington) -supostamente um bastardo Stark- assassinado pelos próprios comandados diante de uma cruz de "traidor".

Como nas vezes anteriores, o idealismo provou-se fatal. Diferentemente delas, porém, a morte de Snow, o bastardo que não sabia de nada, o comandante que optou pela conciliação e parecia a esperança final para Westeros, foi uma cena de delicadeza ímpar (a inspiração é o assassinato do imperador Júlio Cesar por seus pares e seu filho adotivo, Brutus, no Senado romano, em 44 a.C. —quase dá para ouvir um "Até tu, Olly?").

Já seria bom se fosse só isso, mas Martin, seus corroteiristas e os diretores fizeram bem mais para chacoalhar uma série que andou sem rumo na temporada anterior.

A mãe-dos-dragões Daenerys (Emilia Clarke) foi largada no meio do nada, sem súditos e com um dragão moribundo; a poderosa Cersei foi humilhada perante o reino e Stannis (Stephen Dillane) aparentemente morreu (a edição não deixa claro onde Brienne acerta a espada). Isso sem falar na cegueira punitiva de Arya (Maisie Williams), outra reviravolta que, com o perdão do trocadilho, ninguém viu chegar.

Ao matar um de seus dois possíveis messias, desterrar a outra e colocar em situações igualmente ruins seus dois principais vilões (ao menos no momento), "Game of Thrones" mostra que qualquer um pode vir a ser o salvador de que Westeros precisa ou se revelar o pior dos vilões, algo sempre eficaz para manter uma narrativa viva. Mais ainda agora, que série de TV e série de livros chegaram, em larga medida, ao mesmo ponto.

O caminho, agora, parece ser a crescentemente tensa oposição entre religião e laicismo, seja com o avanço dos fanáticos em King's Landing; seja com o fracasso da bruxa Melisandre (Carice van Houten) ou mesmo com a presença sobrenatural (finalmente!) dos White Walkers.

É bom ter em vista, também, que a seleção natural na série privilegia não os mais nobres, mais bem intencionados nem os mais fortes, mas sim os mais pragmáticos —ponto para Tyrion (Peter Dinklage).

Ao espectador, cabe não se irritar. Construir favoritos para imediatamente depois destruí-los pode parecer cruel, mas é exatamente o que torna a história verossímil.


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