Folha de S. Paulo


Em 3ª parte de biografia, ficção de Knausgård fica mais evidente

Se a vida é uma batalha, a infância e a pré-adolescência, ao contrário do que diz o senso comum, estão entre os momentos mais dramáticos.

Terceiro volume da série autobiográfica "Minha Luta", "A Ilha da Infância" –que sai pela Companhia das Letras, na tradução de Guilherme Braga– se concentra nos primeiros anos do autor, o norueguês Karl Ove Knausgård.

Alejandro García/Efe
O escritor dinamarquês Karl Ove Knausgård.
O escritor norueguês Karl Ove Knausgård.

O cenário, a bela região de Sørlandet da década de 1970, garantia uma liberdade hoje desconhecida –quase todas brincadeiras eram ao ar livre. No entanto, qualquer ideia de idílio é abandonada de saída.

Knausgård retoma alguns dos temas do primeiro livro da série, "A Morte do Pai", em especial a difícil relação com o genitor. É possível entender os sentimentos conflitantes que tomaram conta do autor quando, no volume inicial, voltou a Kristiansand para enterrar o pai.

Figura instável e temível, o sujeito controlava os dois filhos (Karl Ove e seu irmão mais velho, Yngve) de maneira implacável. "Eu o odiava como só se pode odiar o próprio pai", escreve Knausgård em "A Ilha da Infância".

Algumas das reprimendas, com seus motivos pífios e seus requintes de violência psicológica, são incomodamente descritas em detalhes.

Ao mesmo tempo em que se volta para o primeiro volume, Knausgård se distancia do segundo, "Um Outro Amor", em que retraça frustrações de sua vida de escritor e sua rotina de pai.

A Ilha da Infância
Karl Ove Knausgård
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Só há ecos (dolorosos) do segundo tomo quando o autor afirma que sua maior preocupação é evitar que os quatro filhos se sintam amedrontados em sua presença.

Não são muitas as passagens em que Knausgård expõe a visão distanciada do adulto. No geral, tenta se aproximar da perspectiva da criança e do pré-adolescente que foi. O elemento ficcional fica mais evidente, uma vez que o homem de 40 anos dificilmente se lembraria com tanta nitidez das cenas de sua infância.

Assim, as brechas na memória foram preenchidas com detalhes variados. Nem sempre funciona: as descrições do entorno, ponto forte da escrita de Knausgård, ficam mais repetitivas.

O autor não idealiza a infância –nem poderia. De modo quase literal, entrega a luz e a escuridão, e as falhas na percepção humana que não raro apontam para uma penumbra difícil de decifrar.

A ILHA DA INFÂNCIA
AUTOR Karl Ove Knausgård
TRADUÇÃO Guilherme Braga
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 54,90 (440 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom


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