Folha de S. Paulo


Trincheiras de 'Soldados Rasos' soam terrivelmente humanas

Em tempos de guerras por controle remoto e drones, as trincheiras descritas por Frederic Manning (1882-1935) em "Soldados Rasos" (1929) soam terrivelmente humanas.

Tal verossimilhança se deve à experiência pessoal do escritor australiano, que participou em 1916 de ações da Primeira Guerra Mundial em solo francês, alistado na real infantaria inglesa.

Diferentemente da perspectiva usual dos romances bélicos britânicos, em geral narrados sob a ótica de oficiais, Manning descreve o cotidiano dos soldados, um amálgama infernal de classes sociais, anseios e puro medo amplificado pelo total descontrole sobre o próprio destino.

Desprovido da tendência a glorificar atos de coragem e a enxergar heróis onde não há, Manning investe seu protagonista Bourne (neste caso, um protagonista "que prefere o anonimato") de poderes de observação que beiram o filosófico, pois embora tomado de resignação à beira da entrega depressiva, não se abstém de refletir acerca das implicâncias morais do que testemunha.

Bourne é dotado de uma consciência existencial que, simultaneamente à progressiva devastação de seu regimento, compreende sua singular condição de mera engrenagem na indústria da morte, além da consequente inevitabilidade de seu final.

A vida de seus companheiros, como a sua, é dispensável, não passa de outro item na lista de maquinaria letal trazida ao cenário bélico pela Primeira Guerra.

Resta aos soldados rasos, portanto, aguardarem o instante fatal em que serão enviados à linha de frente: enquanto isso, roubam uísque da cozinha, maldizem os comandantes, recordam mortes no campo de batalha e cadáveres de amigos.

Essa nervosa iminência em meio ao lamaçal que se confunde com o desejo de que nada aconteça só seria explorada pelo cinema em filmes como "Apocalypse Now", dirigido por Francis Ford Coppola em 1979.

"Os homens desapareciam, deixando atrás de si muito poucos vestígios. O tempo deles tinha terminado", conclui Bourne sobre o sumiço de seu amigo, como que antevendo o futuro das guerras e a nossa extinção.

JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves" (Companhia das Letras).

SOLDADOS RASOS
AUTOR Frederic Manning
TRADUÇÃO Fal Azevedo
EDITORA Carambaia
QUANTO R$ 89,90 (480 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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