Folha de S. Paulo


Biógrafos e editores celebram decisão do Supremo; leia repercussão

Para editores e autores, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) pela liberação de biografias não autorizadas é "um passo à frente".

"Esse resultado é a vitória da luz contra as trevas, da civilização contra a bárbarie", afirmou à Folha o escritor Fernando Morais. "Isso traz mais tranquilidade ao segmento", disse Sérgio Machado, presidente da editora Record.

Segundo a assessoria de imprensa do deputado Romário (PSB-RJ), o que foi aprovado vai de acordo com o que ele acredita e defende no Senado.

Em votação nesta quarta-feira (10), os ministros consideraram inconstitucional a aplicação para livros biográficos de dois artigos do Código Civil segundo os quais sem autorização prévia do retratado ou de seus familiares, no caso de mortos, escritos sobre pessoas com fins comerciais podem ser proibidos.

Para a maioria dos integrantes do STF, a exigência representaria censura, incompatível com a Constituição, que garante a liberdade de expressão.

Leia repercussão da decisão do Supremo abaixo.

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RUY CASTRO, jornalista e escritor, autor de biografias, à Folha
"Essa decisão vai beneficiar biografias que estão ou na cabeça dos autores ou que já tenham sido apuradas ou escritas, que poderão ser submetidas às editoras. Tem muita biografia apurada, e o autor já sabia que ia ser processado e via que nem adiantava escrever ou submeter às editoras. Vai libertar biografias que estejam na gaveta ou na cabeça dos autores."

FERNANDO MORAIS, jornalista e escritor, autor de biografias, à Folha
"Que boa notícia. Esse resultado é a vitória da luz contra as trevas, da civilização contra a barbárie, pelo óbvio. O mais surpreendente é que na segunda década do século 21 a gente ainda tem que levar pro STF esse tipo de coisa. Boa notícia, ganhei a semana. Espero que tenham muitas biografias agora. As pessoas falam dessa lei, mas isso não atingia só as biografias. Isso é um grande estímulo para a produção de livros de não ficção. É uma vitória da sociedade de se informar sobre seu próprio respeito, porque qualquer livro de não ficção estava sujeito a esse tipo de limitação da lei."

MÁRIO MAGALHÃES, jornalista e escritor, autor da biografia de Carlos Marighella, à Folha
"A decisão do STF constitui uma derrota da censura e um triunfo da democracia.É um pequeno passo para os biógrafos e um grande salto para a sociedade brasileira. Os votos eloquentes no Supremo são o 7 a 1 da censura e do obscurantismo. A decisão do STF ameniza os constrangimentos que fazem com que candidatos a biógrafo pensem 1 milhão de vezes antes de encarar uma biografia."

LIRA NETO, jornalista e escritor, autor de biografias, à Folha
"Está prevalecendo o bom senso. Os artigos 20 e 21 do Código Civil não se restringiam apenas ao gênero biográfico. A pessoa que se sentia atingida podia tirar qualquer produto, de qualquer suporte, de circulação. Não apenas os livros, mas a própria narrativa história da nação estava ameaçada."

SÉRGIO MACHADO, presidente da editora Record, à Folha
"Foi um passo à frente, mas não pode ser interpretado como um liberou geral, pois não é. Isso traz mais tranquilidade ao segmento, mas continuamos com as obrigações de antes de ficarmos atentos na hora de publicar para saber se não estamos ofendendo ou de alguma forma invadindo os direitos de terceiros."

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, advogado, representante do cantor Roberto Carlos na ação sobre biografias não autorizadas no Supremo
"Tivemos uma vitória histórica!! Total!! Só falta o Presidente votar, e pela manifestação dele sobre minha sustentação, ele deve votar favorável. Todos os nossos argumentos foram acolhidos, a retirada da necessidade de consentimento, o direito de acionar o Judiciário para enfrentar as lesões do direito, ao contrário do que queria a Adin, e o direito do juiz de decidir caso a caso sobre o que deve ser decidido: direito de resposta, indenização, proibição de nova publicação do item impugnado e até a questão penal."

DODY SIRENA, empresário do cantor Roberto Carlos, à Folha
"Estamos muito felizes. Em nenhum momento o Roberto Carlos foi contra as biografias. O argumento dele sempre foi pela defesa da intimidade. O livro ["Roberto Carlos em Detalhes", do Paulo Cesar de Araújo] não foi proibido. Saiu de circulação em 2007 após acordo entre o cantor, a editora [Planeta] e o autor [Paulo Cesar de Araújo]. A democracia garante o direito de que o biografado recorra à lei casa se sinta ofendido. A luta de Roberto nunca foi contra os livros, mas sim por critérios mais nítidos sobre a defesa da intimidade e a comercialização dos livros."

PAULA LAVIGNE, do grupo Procure Saber, à Folha
"O Procure Saber está fora do caso, não queremos mais comentar essa questão."

TONINHO VAZ, escritor, à Folha
"Eu fiquei de olho desde o inicio da cobertura. Isso já é uma página virada e é claro que eu tenho interesse, porque sou biógrafo e estava até cogitando mudar de atividade, por conta de tantas dificuldades. O que está sendo derrubado hoje permitia que qualquer pessoa impedisse uma biografia, e é claro que a liberdade deve ser encarada com responsabilidade –eu não tenho nenhuma tendência de difamar. Claro que é uma boa notícia, estou aqui comemorando."

JOSÉ MARIA CALVIN, diretor geral da Editora Planeta do Brasil, em comunicado à imprensa
"A Editora Planeta do Brasil se une às outras editoras brasileiras e torce para que a decisão do Superior Tribunal Federal seja a favor da liberação da publicação das biografias não autorizadas no Brasil. Entendemos que, assim como já acontece em outros países, essa abertura editorial contribuirá muito para enriquecer a oferta do setor."

NEWTON LIMA, ex-deputado (PT-SP), apresentou em 2011 um projeto de lei para liberar biografias sem autorização prévia
"Estou muito feliz. Era uma vergonha sermos o único país livre do mundo em que havia censura prévia à produção intelectual. Mas também estou frustrado como ex-parlamentar. O Poder Legislativo criou essa excrecência no Código Civil [os artigos 20 e 21, que permitem a censura prévia] em 2002 e não foi foi capaz de corrigir o seu erro. E depois o Poder Legislativo ainda reclama de judicialização da política no Brasil. De toda forma, é hora de comemorar: acabou a censura prévia no Brasil, graças a Deus."

ROBERTO FEITH, representante da Associação Nacional dos Editores de Livros, em nota
"Hoje, os brasileiros reconquistaram o direito de livre acesso ao conhecimento sobre a sua história. A Associação Nacional dos Editores de Livros gostaria de expressar seu reconhecimento pela atuação firme, equilibrada e lúcida do Supremo Tribunal Federal, e em especial pela ministra relatora Carmen Lúcia, na Ação Direta de Inconstitucionalidade que movemos relativa à censura prévia de biografias independentes, ou não autorizadas.

Esta decisão vem coroar três anos de empenho da Anel e de muitos brasileiros pela plena liberdade de expressão no caso das biografias. Quando demos entrada na Adin, em julho de 2012, não poderíamos imaginar que a ação terminaria por deflagrar um amplo e vibrante debate público sobre a questão, ocupando espaço importante nos meios de comunicação. Participaram intensamente dessa discussão, além de editores, escritores, juristas, intelectuais, jornalistas, políticos, artistas e representantes das mais diversas atividades e regiões do país. Foi um exemplo de democracia em ação, fundamentado na pluralidade de pontos de vista e ampla liberdade para a expressão de opiniões diversas.

O processo foi vital para aumentar o interesse e o conhecimento dos brasileiros sobre a questão, o que resultou na cristalização do pensamento de uma ampla maioria pelo fim da necessidade de autorização prévia e da censura às biografias independentes. A decisão do Supremo, fundamentada nos preceitos constitucionais, coroa e conclui a reflexão da sociedade sobre a liberdade para biografias. A decisão também abre um novo capítulo na produção da historiografia nacional e no acesso da sociedade brasileira ao conhecimento sobre as trajetórias e circunstâncias de vida dos protagonistas de sua história.

Estamos certos de que agora, historiadores, pesquisadores e escritores darão continuidade a inúmeras obras adiadas ou interrompidas como consequência das limitações erroneamente impostas às biografias independentes. Sempre confiamos que o Brasil não se conformaria a ser um país restrito às biografias autorizadas e hoje celebramos o fim desta distorção das nossas tradições e normas legais.

É sempre oportuno lembrar que o direito que a Anel defende, e que os brasileiros reconquistaram em sua plenitude, é o de pesquisar, escrever e publicar informações verídicas, consistentes, apuradas de acordo com os melhores critérios acadêmicos, jornalísticos e editoriais. A publicação de informações falsas ou sem consistência continua passível das sanções legais e criminais, tal como deve ser. Todo direito implica em responsabilidade, e os editores brasileiros estão cientes das suas obrigações e comprometidos com o exercício responsável do seu ofício.

Finalmente, a Anel agradece e congratula a todos que se uniram no esforço de reconquistar a liberdade para obras biográficas, e, em especial, à Academia Brasileira de Letras e aos autores de biografias, parceiros de primeira hora nesta caminhada."


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