Folha de S. Paulo


Monopólio das obras autorizadas é nocivo a ideias e informação livre

Os artigos 20 e 21 do Código Civil têm dado ensejo a severo cerceamento à publicação de obras biográficas –escritas e audiovisuais– no Brasil.

Ao conferirem ao biografado (ou a seus familiares) um direito de veto sobre biografias que não tenham sido previamente autorizadas, a lei civil institui uma forma privada de censura, que tem sido exercida por meio de ordens judiciais de proibição e busca e apreensão.

A Constituição de 1988 assegura a liberdade de manifestação do pensamento e de criação intelectual e artística, independentemente de censura ou licença. De outro lado, o mesmo texto constitucional contempla o direito à informação livre, abarcando a liberdade de informar, informar-se e ser informado. Por evidente, ninguém precisa ser autorizado a ser livre, seja pelo Estado ou por qualquer membro da coletividade.

Editoria de Arte/Folhapress

O gênero literário biografia pressupõe o entrecruzamento entre a vida do indivíduo e a vida da coletividade, sendo essencial para a preservação da memória e a historiografia social.

Ao impedir a publicação de obras biográficas não autorizadas, o Código Civil cria um monopólio das autobiografias ou das biografias autorizadas, que representam apenas a visão do protagonista dos fatos narrados. Tal restrição contraria o princípio constitucional do pluralismo político e vai de encontro à proibição de monopólios ou oligopólios nos meios de comunicação (artigo 220).

Na prática, o monopólio das autobiografias ou das biografias autorizadas gera quatro efeitos deletérios para o livre mercado de ideias e informações:

1) um efeito censório, que condena anos de pesquisas sérias e responsáveis dos escritores, historiadores e jornalistas aos escaninhos das editoras; 2) um efeito de distorção, resultante da filtragem de documentos e depoimentos pelo crivo do biografado ou de sua família, que podem tranquilamente optar por omitir fatos considerados menos abonadores; 3) um efeito de desestímulo a novas pesquisas biográficas, pelo risco de reprovação do biografado ou da família; 4) um efeito de mercantilização das licenças, o que acaba por elevar o custo da produção das obras biográficas a patamares estratosféricos, transformando informação em mercadoria.

Com o apoio da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Federal da OAB, da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Conselho de Comunicação Social do Congresso, da Academia Brasileira dos Constitucionalistas Democratas, a Anel espera que o STF honre a sua reputação de joia das instituições republicanas e ponha fim a esse silêncio ensurdecedor produzido pela censura às biografias não autorizadas no Brasil.

GUSTAVO BINENBOJM é advogado da Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros) na ação e professor da Uerj.


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