Folha de S. Paulo


Gravadora lança disco com registros de shows de João Gilberto e Stan Getz

João Gilberto tinha 44 anos quando subiu ao palco do clube Keystone Korner, em São Francisco, na Califórnia, em maio de 1976, para tocar ao lado do saxofonista norte-americano Stan Getz.

Entre as canções apresentadas pelo grupo para o público que lotava o espaço, estavam pérolas como "Rosa Morena" e "Doralice" de Dorival Caymmi, "Eu Vim da Bahia", de Gilberto Gil, e "Águas de Março", lançada em 1972 por Tom Jobim.

Bettmann/Corbis
João Gilberto, com violão, toca com Stan Getz em 1972
João Gilberto, com violão, toca com Stan Getz em 1972

Nesta quarta (10), João Gilberto completa 84 anos e, 40 anos depois de seu show com Getz, gravações da apresentação acabam de ser recuperadas e serão lançadas (ouça trechos de quatro delas abaixo), ainda este ano, pela gravadora norte-americana Resonance Records.

É PRECISO PERDOAR

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DORALICE

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EU VIM DA BAHIA

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RETRATO EM BRANCO E PRETO

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As apresentações no clube, que se estenderam por uma temporada de seis dias, traziam um reencontro da dupla que havia lançado em 1964 o clássico "Getz/Gilberto" –álbum que lançou ao mundo a canção "Garota de Ipanema", escrita por Tom Jobim e Vinicius de Moraes em 1962, e a transformou em um sucesso internacional.

Mais de dez anos depois, em 1975, Getz e Gilberto gravaram um novo LP em estúdio, com participação da cantora Miúcha –ex-mulher do músico brasileiro–, "Best of Two Worlds".

Foi neste disco, colocado nas lojas em 1976, que o repertório dos shows na Califórnia se baseou. Ao lado dos dois astros, os músicos Joanne Brackeen no piano, Clint Houston no baixo e Billy Hart na bateria.

ABSTRATO

O álbum terá o nome de "Getz/Gilberto '76", lembrando o título do disco de 1964 e trazendo na capa uma pintura da artista abstrata Olga Abizu (1924-2005), de Porto Rico, que ilustrou a capa do "Getz/Gilberto" original.

Em abril, a Resonance Records lançou uma edição promocional, em vinil, com quatro faixas que estarão no álbum. A gravadora é especializada em raridades –acaba de lançar registros inéditos do saxofonista John Coltrane.

Por telefone, Claudia Faissol, porta-voz de João e mãe de sua filha caçula, disse que o lançamento é oficial e foi autorizado pelo cantor.

Questionada se João havia ouvido e gostado do resultado das gravações de 40 anos atrás, respondeu: "Ele ouviu sim. Está lindo o disco!".

KEYSTONE CORNER

Na história do jazz, alguns clubes especiais são tão importantes quanto gravadoras. Espaços como o Ronnie Scott's em Londres, o Village Vanguard em Nova York ou o Bottle's no Rio de Janeiro foram fundamentais na criação e disseminação da música de seus tempos e lugares.

O Keystone Korner, em São Francisco, na Califórnia, funcionou entre 1972 e 1983, atraindo alguns dos principais artistas de jazz da época –Bill Evans, Art Blakey, Jimmy Smith e McCoy Tyner são alguns dos músicos que se apresentaram por lá e chegaram a lançar as gravações de seus shows no local em disco.

O dono do espaço e produtor Todd Barkan, que recentemente recuperou as gravações de João Gilberto com Stan Getz e co-produziu o novo lançamento, respondeu algumas perguntas e lembrou momentos especiais da temporada de 1976.

Folha - Você se lembra do impacto ao ouvir aquelas músicas ao vivo?

Todd Barkan - Lembro que estávamos todos dançando pelo clube com as versões especialmente suingadas de "Doralice" e "Eu Vim da Bahia". Era especialmente impressionante a habilidade de João de continuar trazendo à tona, sem absolutamente nenhum vibrato na voz, sempre novas sutilezas e nuances emocionais à obra-prima de Jobim, "Águas de Março".

Qual seu momento favorito entre as faixas gravadas?

João havia gravado a hipnótica faixa "É Preciso Perdoar" em seu lendário "álbum branco" de 1973 e também no disco de estúdio que fez com Getz para a Columbia, "The Best of Two Worlds".

João, Stan e o baterista Billy Hart faziam o tempo e os nossos corações pararem com esta canção e com leituras muito delicadas de "Retrato em Branco e Preto" e "Rosa Morena". Isso aconteceu em quase todos os 12 sets que fizeram aquela semana.

O que mais lembra daquelas noites?

Foram algumas das semanas mais tocantes e mágicas que tivemos nos anos de existência daquele clube de jazz hippie e psicodélico em North Beach, São Francisco. Para mim, foi música das mais emocionantes e hipnotizantes que já ouvi nos mais de 50 anos que trabalho com jazz.

Em que formato o show foi registrado?

Essas gravações foram feitas originalmente para arquivo, direto da mesa de som, em um gravador de fitas da marca TEAC. Ao longo dos anos, alguns amigos me ajudaram a transferir as fitas para arquivos digitais, para garantir que essa música preciosa não se perdesse no tempo e no espaço, independente de elas serem ou não lançadas comercialmente.

Você considera a música de João Gilberto jazz?

A música e o canto de João Gilberto nunca param de me emocionar de maneiras muito profundas, que nos recoloca em contato com a humanidade. É música que faz a batida cantar e o canto suingar, que conta sua própria história de um modo muito próprio e sedutor –que é a essência de todos os mais sublimes jazz que já foram tocados.


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