Folha de S. Paulo


Sean Scully subverte rigidez e perfeição do minimalismo em SP

Quadrados e retângulos negros dominam uma grande tela do irlandês Sean Scully. Mas nas fissuras entre as formas geométricas, um mar de tinta cor de lava parece se agitar num turbilhão, lambendo essas bordas de ângulos retos.

"É como pisar num assoalho que está pegando fogo", compara o artista. "É uma boa metáfora para o que quis fazer nessa tela." Uma das obras agora na Pinacoteca do Estado, que exibe uma retrospectiva de Scully, resume a natureza bipolar desse artista que estudou no Reino Unido, mas se radicou em Nova York, onde aprendeu a pintar com os minimalistas nos anos 1960.

Scully, 69, tem um pé no rigor abstrato que marcou o movimento americano. Mas o outro está bem plantado no que chama de herança "espiritual" da pintura romântica, ligada à tradição dos paisagistas britânicos, com seus mares revoltos e céus carregados de nuvens prontas a desabar em tempestades.

"Minha versão do minimalismo sempre teve um lado romântico", diz o irlandês. "Em vez de parecer algo industrial, minhas pinturas são mais místicas, noturnas."

Divulgação Pinacoteca
'Come and Go', pintura de Sean Scully realizada em 1981 e exposta na Pinacoteca de SP
'Come and Go', pintura de Sean Scully realizada em 1981 e exposta na Pinacoteca de SP

No caso, o que Scully chama de noturno tem a ver com os seus próprios gestos, que sempre aparecem nos quadros. Enquanto o minimalismo tradicional se esforçou para erradicar a marca do autor de uma obra, Scully recorre à linguagem abstrata dessa vanguarda ao mesmo tempo em que enfatiza seu próprio fracasso.

Seus traços parecem precisos, mas de perto é possível notar falhas e fraquezas da mão, que fazem com que um campo de cor adentre o outro ou revelem bordas imperfeitas atropeladas pelas pinceladas às vezes tortuosas.

Nesse sentido, sua ideia ganha ainda mais ressonância no Brasil, país que despontou no cenário internacional com o neoconcretismo, outra vanguarda estruturada pela geometria.

Da mesma forma que Scully não esconde o trabalho humano em seus quadros, artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark, heróis do neoconcretismo, também reivindicavam a presença do corpo nas obras, um contraponto à tal ênfase em quadrados, círculos e triângulos coloridos.

Numa aproximação com a obra de Clark, que arquitetava vários planos de cor em telas separadas e depois justapostas na mesma superfície, Scully recorta algumas de suas telas, criando quadros dentro do quadro, uma alusão ao poder das janelas nas telas renascentistas.

Mas ao contrário da arte do século 15, Scully tenta evidenciar uma presença mais agressiva da pintura. "Pensar os limites do quadro e os problemas que isso causa sempre esteve no meu trabalho", diz o artista. "Quero dar uma força incrível à pintura, para que ela saia da parede como se tivesse uma personalidade."

SEAN SCULLY
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; até 28/6
ONDE Pinacoteca do Estado, pça. da Luz, 2, tel. (11) 3324-1000
QUANTO R$ 6


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