Tampinhas de garrafas, retalhos, pedras, cordas, galhos, barro. Tudo serve para criar e viajar na imaginação. É o que mostra "Território do Brincar", documentário de David Reeks e Renata Meirelles, em parceria com o Instituto Alana.
Durante dois anos, os cineastas percorreram o Brasil para mostrar como brincam as crianças. Em grupos ou sozinhas, elas labutam: são cozinheiras, motoristas, engenheiras, caçadoras, construtoras, cuidadoras.
Na tela, só meninos e meninas; adultos ficam de fora. A câmara acompanha a construção de caminhões com restos de madeira e corda. Jangadas são feitas de isopor e pano. Casas de lençol abrigam cozinhas de bolos de terra. Engenhocas surgem de peças achadas em entulhos.
Divulgação | ||
Criança do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, retratada no filme "Território do Brincar" |
Com exceção de um grupo que joga no que parece ser um condomínio de casas com ruas asfaltadas, os protagonistas correrem soltos por quintais, matas, praias e mangues. Muitos estão de pés descalços e saltam sem medo aparente.
Para deixar apavorados pais superprotetores, as crianças do documentário usam facas, tesouras, facões, machados e fogo na fabricação de seus brinquedos. Muitas vezes, a empreitada não dá certo: o barco vira, o carrinho perde a roda, a geringonça descola, a casa literalmente cai.
Ninguém se desespera por isso: constrói de novo, faz amarração reforçada, costura mais folgado, busca mais equilíbrio para a coisa. Em turmas, eles combatem numa guerra de pipas, saem mascarados apavorando a vizinhança, perseguem bandidos, improvisam armadilhas, caçam passarinho, contam histórias de terror.
O filme revela um mundo muito diferente dos parquinhos emborrachados e protegidos, dos brinquedos eletrônicos, das bonecas tecnológicas, da televisão e do celular. Nada disso aparece. Estranhamente, a sempre onipresente bola de futebol não é vista. Cachorrinhos de estimação tampouco.
Privilegiando o registro de comunidades mais pobres e afastadas do burburinho e do consumismo das metrópoles, o documentário é uma viagem lúdica. Resgata formas de brincar criativas, jeitos de antigamente que se perpetuam. A música inovadora e primorosa do Uakti aprimora a costura das imagens.
Céticos podem ver na fita uma atmosfera exageradamente rósea e livre de violência, impossível de ser reproduzida nos prédios onde cresce a maioria da gurizada de hoje. Pode ser. Mas vale conhecer essa expedição pelo Brasil, que acompanhou mais de uma centena de crianças.
Num mangue, a diversão é catar bichinhos e colocá-los numa garrafa de plástico. Quando o garoto consegue capturar mais um, exibe o feito e proclama: "Aqui tem tudo!". Deve ser bom.
TERRITÓRIO DO BRINCAR
DIREÇÃO Renata Meirelles, David Reeks
PRODUÇÃO Brasil, 2014, livre
AVALIAÇÃO bom