Folha de S. Paulo


Com 1ª mostra em Buenos Aires, Vik Muniz critica público de museus

Vik Muniz talvez seja um dos artistas brasileiros hoje mais populares. Fez abertura de novela e documentários com tom social. Suas obras usando chocolate, caviar e diamantes decoram selfies e fotos postadas nas redes sociais mundo afora.

Mas ele quer que as pessoas o vejam no museu.

"Um dia uma pessoa me disse que não gostava do meu trabalho. Eu perguntei: 'Onde você viu?'. Ela me respondeu que foi na internet. Poxa, isso é igual a ver uma foto de uma manga [a fruta] sem nunca tê-la provado", teoriza o artista.

Agora é a vez dos argentinos de "provar" a obra de Vik Muniz. Ele abre sua primeira exposição na cidade no Muntref (Museu da Universidade Tres de Febrero), em Buenos Aires. É uma retrospectiva com as principais obras dos 20 anos de carreira do artista.

Para a exposição, criou uma obra dedicada especialmente à cidade, parte da série "Cartões Postais de Lugar Nenhum", em que já retratou Paris, Rio e Nova York. "Os reflexos das pessoas nos cafés são a imagem que tenho da cidade, que aprendi a ver lendo sobre ela", diz. Escolheu, porém, o Obelisco, tradicional ponto turístico da capital argentina.

SELFIE

"Nunca foi tão fácil ter acesso a uma imagem fora do museu e nunca os museus estiveram tão cheios de gente. Mesmo vendo a imagem fora, as pessoas buscam a experiência real."

Muniz cita Walter Benjamin e o ensaio "A Obra de Arte nos Tempos de sua Reprodutibilidade Técnica", que o filósofo alemão escreveu há quase 80 anos, para convocar as pessoas ao museu. Benjamin criticava a fotografia e o cinema, Muniz mira a internet e a irritante mania atual dos selfies.

"Noutro dia, [o fotógrafo] Sebastião Salgado foi embora da abertura de uma exposição porque não aguentava mais tirar selfies com as pessoas", contou o artista, pouco depois de ele mesmo sofrer assédio semelhante de uma mulher que se travestiu de jornalista para invadir a conversa.

"Parece que as pessoas vão ao museu não para pensar, mas, sim, para se fotografar com as obras", critica. "Mas o importante é que vão ao museu."

Nesses espaços, defende o artista, o espectador não apenas consome arte, mas pensa (ou deveria pensar) sobre a imagem e sua elaboração, em uma relação distinta da que experimenta no mundo exterior.

A capacidade técnica que a fotografia ganhou, a partir dos anos 1990, na opinião de Muniz, a permite competir com as outras obras de arte, como a pintura e a escultura, na tentativa de dar uma impressão singular do mundo captado a olho nu.

MIL BURACOS

Na conversa com jornalistas ao conhecer o espaço onde será exposto seu trabalho até setembro – uma antiga hospedagem para imigrantes perto de Puerto Madero – o fotógrafo teorizou sobre os materiais que utiliza. "Chocolate é normal, bizarra é a tinta, que nem se sabe o que tem dentro."

Também comentou seu engajamento social: "Se você está dando de volta é porque ganhou demais".

Vik Muniz também refletiu sobre o mercado de arte e revelou uma travessura – que jura não ter sido uma provocação, mas uma curiosidade em tentar medir a ilusão criada por compradores e colecionadores com as obras de arte.

"Fiz uma obra com imagens de buracos e inventei o número de furos, a chamei de 'Mil Buracos'. Fiz outra que saiu mais 'feinha' e coloquei na conta mais buracos. As pessoas compraram porque tinha mais buracos!", revelou, com certo tom de crítica.

O artista avalia que seu trabalho pretende questionar a ideia de valor das coisas e da própria arte. Por isso, o interesse em saber sobre como ele é valorizado entre os compradores.

"As madames do Park Avenue [em Nova York] compraram as obras da série com diamantes como se estivessem comprando os próprios diamantes. Já a série do lixo levou mais tempo para vender", contou. "Não tenho nenhuma hipocrisia em relação ao comércio, e artista não pode ter preconceitos. Quem compra arte é rico e isso é bom, mantém um sistema em que as pessoas podem ver as obras num museu."

VIK MUNIZ
ONDE Muntref (Museu da Universidade Tres de Febrero), av. Antártida, 1.355
QUANDO ter. a dom., das 11h às 19h; até 14 de setembro
QUANTO grátis


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