Folha de S. Paulo


'Orson Welles tinha má sorte', diz viúva do cineasta

Aos 26 anos, Orson Welles (1915-1985) já havia dirigido a transmissão de rádio que fez milhares de americanos se desesperarem de medo de marcianos assassinos –a adaptação de "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells– e criado o filme que mudou o cinema, "Cidadão Kane" (1941).

Depois passou boa parte da vida tentando provar que não era um irresponsável.

Com diversos filmes inacabados, Welles conviveu com a fama de gastador e de promessa não cumprida.

Outros exemplos de seu talento, como "Soberba" (1942), eram ofuscados pela grandeza de "Cidadão Kane".

Sua última namorada, a escultora, atriz e diretora croata Oja Kodar, 74, esteve ao seu lado em seus últimos 20 anos de vida. Antes dela, Welles foi casado com Virginia Nicolson, Rita Hayworth e Paola Mori, com quem ainda vivia quando conheceu Kodar.

"É uma injustiça. Um autor passa 20, 25 anos escrevendo um livro e ninguém o culpa por isso. Orson investiu seus recursos e dedicou sua vida aos seus projetos", diz Kodar, que está no Brasil para as comemorações do centenário de Welles.

Como atriz, produtora ou coautora, ela participou de vários dos filmes inacabados de Welles, como "The Dreamers", "The Deep" e "The Other Side of the Wind". Para Kodar, este último é o que Welles mais gostaria de ter completado.

"Acho que ele acreditava que seria seu melhor filme. Era especial porque falava sobre como Hollywood trata seus diretores. Conta a história de um velho diretor que tenta se atualizar com a nova geração. Ele não quis fazer o papel principal porque achava que as pessoas interpretariam como autobiográfico."

Em outubro passado, o jornal "The New York Times" noticiou que a produtora Royal Road Entertainment estaria finalizando o filme.

"Não sei muito sobre esse projeto. O que posso dizer é que está quase pronto, 45 minutos já foram editados por Orson. Falta escolher algumas tomadas e colocar a música."

Detentora dos direitos de boa parte da obra de Welles, Kodar preserva as filmagens inacabadas no Museu de Cinema de Munique. Em casa, guarda os manuscritos da autobiografia que Welles estava escrevendo quando morreu.

"Não quero parecer fatalista, mas Orson realmente tinha má sorte", diz. Para ela, isso começou no Brasil, com o fracassado "É Tudo Verdade", um filme sobre a cultura da América Latina encomendado pelo governo americano como parte do esforço da política da Boa Vizinhança durante a Segunda Guerra.

Quando o estúdio RKO, que financiava o filme, recebeu o material, não gostou do que viu. Tampouco agradou o governo Getúlio Vargas. Orson filmara favelas, a população negra e sua cultura. O diretor e sua equipe, no Brasil e nos EUA, foram demitidos e o filme, arquivado.

Outro exemplo de má sorte foi "The Deep". Segundo Kodar, o filme não foi concluído porque a atriz Jeanne Moreau se recusou a participar da dublagem depois das filmagens. "Ela tinha muito ciúme de mim. Talvez achasse que ele a estivesse usando para me alavancar. Ela nunca o perdoou por me amar."


Endereço da página:

Links no texto: