Folha de S. Paulo


Sátira, 'Urinal, o Musical', acerta ao levar humor a trama política

É a primeira montagem de maior impacto num circuito que se poderia chamar de "off" para musicais em São Paulo, desenvolvido nos últimos poucos anos.

E é um espetáculo que, antes de mais nada, requer transferência de teatro, como aconteceu com o original americano, para o circuito da Broadway, das grandes salas.

Diante de sua qualidade, tanto no texto de Greg Kotis como na música de Mark Hollmann, bem costurados um ao outro, e na encenação de Zé Henrique de Paula, rica em muitos sentidos, é o caso de exigir agora uma plateia melhor. Assentos melhores.

E também um palco menos acanhado, que permita os voos que não só a encenação mas a direção musical de Fernanda Maia demandam.

"Urinal, o Musical" chama a atenção por abordar questão politicamente relevante hoje, sobretudo em São Paulo: o impacto do homem sobre a natureza, a falta d'água.

Mas mais significativo, como experiência teatral, é tratar-se de uma sátira e uma homenagem aos musicais políticos, Brecht inclusive. Mais do que qualquer viés temático, é o que leva ao engajamento incontinente com seu humor.

Como no fascínio causado por Luz –filha de Patrãozinho, dono do monopólio dos banheiros na cidade de Urinal–, que se apaixona por Bonitão, líder da revolução pelo direito de urinar livremente.

O título em português e os nomes dos protagonistas são exemplos da adaptação engraçada e funcional de Paula e Maia, supervisionados por Claudio Botelho. No original, eram Hope, Caldwell B. Cladwell e Bobby Strong, respectivamente. E o título era "Urinetown", cidade da urina.

Lenise Pinheiro - 10.mai.2015/Folhapress
Sao Paulo,SP, Brasil. Data 10-05-2015. Espetaculo Urinal. Atores Adriana Alencar (esq cabelo Vermelho), Caio Salay (barba), Bia Bologna (lenco vermelho), Paulo Marcos Brito (ao fundo gorro cinza), Daniel Costa (policial) e Bruna Gerin (ao fundo vestido e casaco vermelho). Teatro Nucleo Experimental. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
Atores Adriana Alencar (esq cabelo Vermelho), Caio Salay (barba), Bia Bologna (lenco vermelho), Paulo Marcos Brito (ao fundo gorro cinza), Daniel Costa (policial) e Bruna Gerin (ao fundo vestido e casaco vermelho); do Teatro Nucleo Experimental em peça "Urinal, o Musical"

Luz é feita com autoironia pela bela Bruna Guerin, cantora profissional conhecida por musicais como "Hair", que se destaca pela voz, mas sobretudo pelo tempo de comédia, que leva o público o rir nas cenas mais inusitadas, com simples gestos, olhares.

O Bonitão de Caio Salay não fica atrás, compondo um casal envolvente e respondendo pela maior rasteira da trama na expectativa romântica dos espectadores, ao morrer subitamente.

O Policial de Daniel Costa é outro destaque, narrando e participando da trama, derrisoriamente, à maneira de Brecht. Aliás, as letras de Kotis e Hollmann já tratam de seguir o teatro épico, cantadas quase sempre de olho no público e raciocinando com ele.

Costa forma boa dupla, para tanto, com a Garotinha de Luciana Ramazini, uma espécie de conarradora. Como Patrãozinho, o veterano Roney Facchini é outro ganho para a comédia musical, não pela voz, mas pela ironia intermitente e pela empatia que traz para um personagem que é, afinal, o grande malvado da história.

No canto, o deleite maior, junto com Luz, é garantido pela Velha Bonitona de Bia Bologna. Com diferentes qualidades, da dança ao humor, o elenco de 13 atores entrega representação bem uniforme.

Os figurinos, mesmo sendo reciclados pelo que se informa, não ficam devendo a produções mais luxuosas de franquias da Broadway.

Já a distribuição cenográfica, inclusive a localização da banda, embora engenhosa para o mínimo espaço, resulta empilhada e congestiona coreografias e marcações.

Quanto ao tema da crise da água, trata-se de uma coincidência, porque eclodiu em São Paulo depois de iniciado o processo de produção, que acentua comicamente os duplos sentidos com vocábulos ecoando urina, fezes etc.

Mas não é especialmente envolvente, diferente de seus modelos, como a "Ópera dos Três Vinténs". Sua mensagem final é algo ingênua, lugar-comum, evitando conflito e solapando a capacidade crítica.

URINAL, O MUSICAL
QUANDO seg., sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 6/7
ONDE Teatro do Núcleo Experimental, r. Barra Funda, 637, tel. (11) 3259-0898
QUANTO R$ 40 (sex.: grátis)
CLASSIFICAÇÃO 10 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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