Folha de S. Paulo


Seleção de Cannes 2015 evidencia êxodo de artistas de Hollywood

Hollywood está migrando. Poucos incentivos fiscais, concorrência alta e quase nenhuma variedade temática têm afastado cada vez mais os talentos de Los Angeles.

Atores que não querem se render a adaptações de quadrinhos ou de livros para adolescentes estão cada vez mais se aproximando de cineastas internacionais, não em busca de altos salários, mas de satisfação artística mais equilibrada com o lado financeiro.

E a maior prova disso é a competição oficial do 68º Festival de Cannes, que começa nesta quarta (13) e vai até 24 de maio. Dos 19 filmes na disputa pela Palma de Ouro, metade traz um mix de cineastas não americanos com um elenco acostumado a figurar em blockbusters de verão.

Um fenômeno parecido ocorreu no Oscar, quando apenas um filme de grande estúdio ("Sniper Americano", de Clint Eastwood) figurou entre os indicados a melhor longa, provando que o cinema independente é uma alternativa para a produção de filmes mais maduros.

Com o aumento da importância do mercado cinematográfico internacional, que hoje representa 60% dos ganhos dos grandes filmes americanos, os produtores, diretores e atores notaram que podem faturar e trabalhar em projetos com mais apelo crítico fora dos Estados Unidos.

É o caso dos italianos "Youth" e "Mia Madre", além do norueguês "Louder Than Bombs". O primeiro, de Paolo Sorrentino, ganhador do Oscar de filme estrangeiro no ano passado por "A Grande Beleza", coloca Michael Caine e Harvey Keitel nos Alpes, onde os dois discutem cinema e música clássica.

Já o italiano Nanni Moretti conta em "Mia Madre" a história de uma diretora que faz um filme enquanto sua mãe convalesce no hospital –John Turturro, que deve ter cansado das bobagens da franquia "Transformers", faz um astro americano filmando na Itália.

Jesse Eisenberg, o criador do Facebook em "A Rede Social" (2010), faz "Louder Than Bombs", de Joachim Trier. O longa sobre uma ex-fotógrafa de guerra que guarda um segredo sobre o passado demorou para conseguir o sinal verde, mesmo com o americano e Isabelle Huppert no elenco –só foi confirmado quando uma produtora francesa investiu R$ 18 milhões.

AMOR VERDADEIRO

O projeto mais interessante na competição é o do grego Yorgos Lanthimos, que dirigiu "Dente Canino"(2009).

O futurista "The Lobster" traz Colin Farrell e John C. Reilly como dois homens que são enviados para um hotel e precisam achar um amor verdadeiro, do contrário serão transformados em animais.

Rachel Weisz, que interpreta outra hóspede nesta ficção científica, também está em "Youth", de Sorrentino.

O francês Vincent Cassel ("Treze Homens e um Novo Segredo") está em Cannes com dois filmes, um sob a regência da francesa Maïwenn ("Mon Roi") e o segundo na estreia do italiano Matteo Garrone ("Gomorra") em um filme de língua inglesa, "Tale of Tales" –com Salma Hayek.

O franco-canadense Denis Villeneuve ("Os Suspeitos") continua sendo um dos cineastas preferidos de atores hollywoodianos que desejam escapar dos super-heróis.

Depois de trabalhar com Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal e Paul Dano, ele dirige Emily Blunt em "Sicario", thriller sobre uma ação secreta da CIA no México para destronar um traficante de drogas.

Com Tim Roth em "Chronic", do mexicano Michel Franco, e Michael Fassbender e Marion Cotillard em "Macbeth", do australiano Justin Kurzel, a seleção internacional chega forte.

Ainda assim, não descarte os americanos Todd Haynes ("Carol") e Gus van Sant ("The Sea of Trees"), que podem figurar no Oscar do ano que vem, o chinês Jia Zhangke ("Shan He Gu Ren") e o japonês Hirokazu Kore-eda ("Our Little Sister"), figuras assíduas do festival.

Ironicamente, Kore-eda chega à quinta disputa pela Palma de Ouro com uma adaptação de um... mangá. Globalização é isso aí.


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