Folha de S. Paulo


'Brasil: Uma Biografia' provoca visão alternativa sobre país

Tido como o primeiro historiador do Brasil, o frei baiano Vicente do Salvador (1564-1636) certa vez escreveu: "Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular".

Por que essa frase soa tão atual e parece descrever ao menos parte importante dos problemas do país, quase 400 anos depois?

"Brasil: Uma Biografia", da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz (professora da USP) e da historiadora Heloisa Murgel Starling (professora da UFMG), propõe uma narrativa da história do Brasil que busca observar as permanências e rupturas desses pouco mais de cinco séculos de trajetória do país.

"A ideia era levar ao passado perguntas do nosso presente, para entender por que somos uma sociedade tão injusta, em que os cidadãos não se veem como também responsáveis pela corrupção dos políticos e por que temos o costume de transformar questões públicas em privadas", diz Schwarcz à Folha.

Na visão de Starling, o Brasil conseguiu consolidar sua democracia, mas a ideia de república ainda "segue no rascunho". Diz: "O cidadão que protesta nas ruas contra a corrupção do governo comete em sua vida privada pequenos atos de corrupção, como pagar o médico sem recibo, coisas assim. Não percebemos, mas nos falta a cultura do republicanismo. É preciso entender o porquê."

O volume cobre desde a viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500, até o que as autoras consideram ser "o final da fase da redemocratização", consolidada com a posse de Fernando Henrique Cardoso (1995).

As autoras justificam a opção por escrever uma biografia, e não um livro de história tradicional, para poder incluir pontos de vista alternativos aos usados em outras narrativas sobre o país.

Com documentação composta de correspondências, relatos de viajantes e obras de arte, ambas procuram contar não apenas como foram tomadas grandes decisões políticas mas também relatar que efeitos estas tiveram no dia a dia da população.

OUTRA HISTÓRIA

A abertura dos portos, anunciada por dom João 6º, em 1808, é um exemplo.

Se tradicionalmente o fato é apresentado apenas como o momento em que se rompe o pacto colonial (que estabelecia o controle das atividades comerciais da colônia por parte da metrópole), em "Brasil: Uma Biografia" conta-se também que a medida causou espanto no mercado tropical brasileiro, ao inundá-lo de grossos cobertores de lã, patins de gelo e outros produtos ingleses de pouca finalidade prática por aqui.

As estudiosas também descrevem reações populares, como o medo dos portugueses após a execução do rei francês Luís 16, em 1793, ou a reação enfurecida de brasileiros, armados com paus e pedras, que saíram às ruas após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.

"Antes se faziam biografias para elevar um indivíduo ou provar o quanto um país era glorioso. Nós nos propusemos a fazer uma biografia para resgatar vozes dos que não foram protagonistas. É um modo mais plural de contar uma história", diz Schwarcz.

Starling complementa: "a biografia permite resgatar as vidas anônimas e colocá-las lado a lado com os grandes personagens".

PASSADO VIOLENTO

Schwarcz conta que o capítulo sobre a escravidão reflete uma "indignação" surgida após uma sessão do filme "12 Anos de Escravidão", vencedor do Oscar em 2014.

"Eu ouvia as pessoas dizendo: 'que bom que no Brasil não foi assim'. Como não foi assim? Por que é tão forte a ideia de que somos mais pacíficos do que outros?", questiona a professora.

Brasil: Uma Biografia
Heloísa Starling e Lilia M. Schwarcz
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"O nosso presente está coalhado de um passado violento. É só ver que ainda temos nos edifícios um 'quarto de empregada', em cujo banheiro, geralmente, a ducha está em cima da privada. Ou seja, ainda cometemos políticas de humilhação que fazem com que o desrespeito a essa população fundamental do Brasil seja naturalizado", completa.

Starling chama a atenção para a necessidade de contar a história como obra aberta, sujeita a acasos e a intervenções dos cidadãos.

"A história só é previsível depois que acaba. É bom que as pessoas saibam que as decisões que elas vão tomar agora importam e podem definir o rumo dessa saga."

LANÇAMENTO

Duas sessões de lançamentos de "Brasil: Uma Biografia" já estão agendadas.

Em São Paulo, na terça (12), no Sesc Consolação, Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling conversam com Boris Fausto, um dos principais historiadores do Brasil.

Na quinta (14), o lançamento é em Belo Horizonte, no Memorial Minas Gerais Vale. As autoras participam de debate com Newton Bignotto, professor do departamento de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, e Wander Melo Miranda, professor de teoria da literatura da mesma universidade.

LANÇAMENTO EM SP
QUANDO terça (12), às 19h15
ONDE Sesc Consolação - r. Dr. Vila Nova, 245; tel. (11) 3234-3000

LANÇAMENTO EM BH
QUANDO quinta (14), às 18h15
ONDE Memorial Minas Gerais Vale - praça da Liberdade, s/n; tel. (31) 3308-4000


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