Márcio Mendes, 65, lembra de quando o Brasil pensava grande. "Eles queriam morenas com manequim 42, bumbum, pernão, 'air bag', sabe?"
Por sugestão da gravadora, chamou a irmã Ana Maria, hoje 55, e a amiga Cléo, 54,"duas gostosas". Com tanguinhas e maiôs asa-delta, fundaram o Trio Los Angeles, que estourou em 1984 ao emplacar o tema da novela "Transas e Caretas" (Globo), aberto com o verso "Ponha o pé na lua e descubra que o futuro está perto".
Ana e Cléo não estão mais com ele, assim como parte do cabelo, substituído por implante capilar e tingido com um misto de castanho claro e loiro escuro. O rosto ganhou botox. Perdeu a barriga com lipoaspiração. Nada que o tenha feito perder o rebolado.
Seu público envelheceu, reconhece. E o sobrevivente do Trio Los Angeles achou que isso merecia um prêmio: Márcio se dedica agora à audiência veterana. Ele apresenta "as lindas e os lindos" no Miss e Mister Terceira Idade em cidades paulistas -o que o levou ao Centro do Idoso em Americana (126 km de São Paulo) na quinta-feira retrasada (29).
O júri -com uma ex-dançarina do Clube do Bolinha e um antigo músico de Roberto Carlos- avaliou três quesitos: postura, elegância e simpatia. Todos acima de 60 anos, desfilando ao som de "Copacabana" (Barry Manilow) e "Dancing Queen" (Abba), por entre estandes como o da Cruzada das Senhoras Católicas.
Márcio foi à rua 25 de Março comprar a coroa da vencedora. "É importada, R$ 500", afirma, com o adorno de falsos brilhantes na mão.
"Elas têm vergonha, mas quando me veem ficam loucas", diz sem falsa modéstia, enquanto ajeita a blusa azul sob terno e gravata prateados. Finaliza com dois brincos de cristal ("bijuteria") na orelha esquerda. O sapatênis cinza, um dos 80 pares que calcula ter, tem solado de quatro centímetros, içando seu 1,74 m.
A concorrente Neiva Pardi curte as "calças bem grudadinhas" que Márcio usa até hoje, ajustadas feito lycra à sua "personalidade caribenha".
Neiva, 68, dois filhos e dois netos, é viúva. Cor: preto. Hobby: dançar. Veste Pérola Noivas. Ganhou o Miss Simpatia.
Márcio lembra do Trio em seu apogeu. Em 1984, Boni, então executivo da Globo, encomendou a música de "Transas e Caretas" ao Trio. "Diziam que ele tinha ficado na dúvida entre Rita Lee e a gente." Questionado sobre essa versão, Boni responde o e-mail com uma palavra: "Confere".
Escolher o trio não era uma decisão exótica na época. Se hoje é cultuada como "brega cool", a banda encarnou o espírito oitentista como poucas. Requebrou rumo à fama dois anos antes do folhetim global, com "Vamos Dançar Mambolê" (do refrão "mambo, mambo, mam, mambolê").
Manequins, os três foram descobertos por um olheiro quando desfilavam para a extinta rede de lojas Mesbla, num hotel Hilton que já não existe mais. Vestiam camisetas coloridas da Hering e dublavam a "Banana Boat Song", que abria com "day, me say day, me say day, me say day...".
Caíram no gosto do público. Márcio, o "macho alfa", cantor e bailarino, intercalava paletó colorido sobre blusa estampada e chapéu Panamá. As meninas, dançarinas, iam de camiseta molhada e luvas em néon até o cotovelo.
"O que Lady Gaga usa hoje elas usavam nos 80", diz. Ele tenta levantar uma exposição em estações do Metrô com figurinos do grupo. Também lançará uma linha de camiseta com dizeres como "os anos 1980 não acabam nunca".
Em 1990, Cléo deu seu batom preferido a Ana e foi embora para nunca mais voltar. A irmã de Márcio já não rebola mais. "Virou do lar", diz ele.
O membro remanescente mora com a mãe até hoje, em Carapicuíba (SP), onde gosta de receber amigos para beber caipirinha na piscina (garante que é o único luxo etílico).
O trio continua com duas morenas na faixa dos 20 anos, e shows com cachê de até R$ 20 mil. Apresentaram em Americana a nova música, "Baladeiro" ("Sou da balada/ da curtição/ no meio da zoeira/ sou o rei da pegação"). O que, para Márcio, resume bem a alma do Trio. "Tenho sex appeal grande. As netas das vovós ligam, vão ao hotel e dão perfume." Gosta do Azzaro.