Folha de S. Paulo


Técnico de telefones do Vidigal descobre que seu retrato vale mais de R$ 100 mil

"Randerson Romualdo Cordeiro" vale mais de R$ 100 mil e está pendurado na parede do prestigioso Museu do Brooklyn, em Nova York.

Randerson Romualdo Cordeiro, 22, ganha R$ 1.200 por mês para consertar celulares –gasta R$ 500 com uma quitinete no morro do Vidigal, no Rio.

O nome com aspas é de um quadro do americano Kehinde Wiley, 37, que repinta telas clássicas europeias substituindo a realeza de séculos passados por rappers, artistas como Michael Jackson e homens e mulheres negros que ele fotografa pelo mundo.

O nome sem aspas é de Randerson Romualdo, que tem seu rosto retratado a óleo numa das telas mais famosas de Wiley, exibida na mostra "A New Republic", em Nova York, até 24/5. A loja da Fifa vendeu durante a Copa mais de 200 cópias de um pôster com a imagem da pintura, a US$ 335 (cerca de R$ 1.000) cada um.

Leia, abaixo, o depoimento de Romualdo à Folha.

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Era 2008. Eu estava ajudando um amigo a carregar umas coisas de uma casa para outra no morro do Vidigal quando um grupo, com vários gringos e uma tradutora, me parou. Perguntaram se poderiam fazer uma foto minha, e ofereceram R$ 150.

Tive que ir atrás da minha mãe, porque só tinha 16 anos e não podia assinar contrato. Ela deixou. A gente foi para uma casa que eles tinham alugado, no morro mesmo, e fui fazendo as poses que o artista pedia. Coloquei o boné para trás quando mandaram, e cobri meu cabelo, que na época estava descolorido. Acho que as poses são relacionadas a estátuas.

Tem uma galera que posou para as fotos dele. Não sei quem são [o quadro de Randerson é o único em exibição que leva o nome do modelo, e o artista se recusa a revelar quem são as pessoas que retrata em suas telas].

Usei o dinheiro para comprar algumas coisas que faltavam lá em casa. Sabe como é comunidade carente, né? O resto eu peguei e gastei com biscoito na rua.

Sempre vivi num mundo cercado pelo tráfico de droga, mas nunca caí nesse mundo. Parei de estudar na sétima série, um ano depois de posar para o quadro. Estava naquela fase em que queria saber mais de namorar.

Hoje, eu sinto falta disso, estou até procurando fazer um curso supletivo.

De lá pra cá, tudo mudou. Menos a questão financeira, que não mudou nada. Sou auxiliar técnico de eletrônico na carteira de trabalho. Conserto celular. Muita tela de iPhone quebrada, telefone que caiu na privada, essas coisas.

Ganho R$ 1.200 na lojinha em Copacabana onde trabalho. Pago R$ 500 em um quarto e sala com uma cozinha e um banheiro. O aluguel no Vidigal está bastante caro.

Não sabia que [a obra] tinha feito sucesso. Nunca vi ao vivo. Procurei na internet, vi algumas vezes durante a Copa. O quadro não trouxe nada para a minha vida. Não tive nenhum contato com o artista depois do dia da foto.

Relação com a arte? Não tenho nenhuma. Contato nenhum. Na comunidade, a gente tem nosso teatro, mas nunca participei. Eu avalio o quadro assim: para mim, é legal saber que estou lá, meu nome está lá. Não vou dizer que ganho dinheiro nem nada, mas é gratificante que seu nome esteja sendo reconhecido por alguma coisa.

Pelo menos eu estou sendo visto em outros países. Me espanta saber o valor pelo qual a minha cara está sendo vendida.

Os amigos não sabem que eu estou num quadro, não, porque não contei. Só quem sabe são meus familiares.

OUTRO LADO

Kehinde Wiley disse, por meio de sua equipe, que considera já ter falado demais sobre sua relação com os modelos nas pinturas, e pediu o endereço de Randerson para mandar um livro e um pôster com o rosto dele.


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