Folha de S. Paulo


Questões culturais e legais explicam escassez de doações para filantropia no país

O brasileiro só é solidário na tragédia –já disse, de um outro jeito, Nelson Rodrigues. Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que doações desinteressadas aparecem quando há catástrofes, como enchentes, mas mínguam quando a proposta é enfrentar problemas cotidianos.

Quem tem dinheiro, no Brasil, prefere investir em programas que já contam com uma estrutura pronta. "Os poucos milionários brasileiros que doam o fazem no exterior, dão para universidades americanas", afirma o antropólogo Roberto DaMatta.

A diretora-executiva do Instituto Rio, Graciela Hopstein, concorda e acrescenta: "No Brasil, quem doa é o pobre, não o rico". Muitas vezes ela mesma vai buscar lá fora o dinheiro para financiar seus projetos sociais.
Andre Degenszajn, secretário-geral do Gife (organização que reúne os principais investidores sociais do país), aponta a recente estruturação do terceiro setor por aqui como uma das causas dessa fragilidade da filantropia.

Segundo os últimos dados da organização, de 2011, só 3% dos recursos das entidades filantrópicas saem de doadores individuais. Nos EUA, segundo o Center Foundation, 74% dos US$ 300 bilhões movimentados ao ano no terceiro setor vêm de doações individuais. Não se sabe quanto as 300 mil ONGs brasileiras movimentam, mas o Gife informa que seus 129 associados investem R$ 2,4 bilhões por ano.

Dados do IBGE em 2012 mostravam que, em média, as organizações brasileiras nessa área estavam ativas havia só 12 anos. Faz falta às ONGs a base de doadores fixos que existe em nações onde o terceiro setor está consolidado.

DaMatta traz à tona o que ele vê como uma tradição nacional: a sociedade sempre vai atrás do poder público para tentar resolver seus problemas, o que dificulta a formação de uma cultura de estímulo às doações privadas."O Estado é o grande patrão do país e da sociedade." Comum no Brasil não é a filantropia, diz ele, mas, sim, a caridade.

As duas são palavras que designam amor ao próximo: "caridade" vem do latim "caritas", que é estima, afeto, e "filantropia" vem do grego "philos" (aquele que gosta de) e "anthropos" (homem). A diferença é que, na primeira, a doação é feita com foco em Deus e em recompensas espirituais, dentro da tradição católica, enquanto a segunda é centrada em problemas concretos e imediatos da sociedade.

Questões comportamentais e históricas não são as únicas fontes de problemas que as entidades filantrópicas enfrentam no país. O Estado vem se mostrando um empecilho, na visão de Degenszajn.

Ele reclama de que o dinheiro destinado à filantropia, com algumas exceções, não dá direito a desconto em impostos -diferentemente do que ocorre nos EUA e na Europa. "A questão legal não ajuda a criar a cultura de doação da qual precisamos".

O economista Luiz Carlos Merege, ex-diretor da FGV-SP, estima que o terceiro setor movimente entre 2% e 4% do PIB brasileiro -menos que a média europeia e que a norte-americana, que fica em torno de 11%.
Momentos de crise econômica acabam afetando ainda mais as doações, segundo Merege. O PIB desestimulante da economia brasileira nos últimos anos veio acompanhado de uma crise na captação para projetos sociais.

Degenszajn lembra que setores específicos, como o da educação, concentram a maior parte dos recursos de filantropia no país. Hopstein, do Instituto Rio, se queixa de que é difícil conseguir financiamento para outras iniciativas, como o combate à desigualdade.

O matemático Nílson José Machado, que parte da perspectiva da Faculdade de Educação da USP, onde leciona, pondera que os recursos para o setor são prejudicados pela falta de cooperação entre as múltiplas ações educacionais operantes no país.

"Essas contribuições são feitas de maneira errática". afirma ele, defendendo o trabalho conjunto das ONGs com o governo. "Não adianta termos uma cereja linda se não temos um bolo".

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