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Maria Alice Vergueiro, de 'Tapa na Pantera', retrata sua morte em peça

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Maria Alice Vergueiro se diz próxima da morte. "Eles sabem que eu não tenho muito tempo. Porque hoje é o dia", vocifera sobre o palco em "Why the Horse?", espetáculo que ela protagoniza e dirige e que estreia na próxima sexta (10) em São Paulo.

A morte da atriz é apenas cenográfica. Mas simbólica.

Ela explica que resolveu encarar a temática de frente quando se deu conta que estava chegando perto dos 80 anos, que foram completados em janeiro.

"Quando você chega a essa idade, pensa: 'Ah, eu sou velha'. E eu quis refletir sobre esse assunto", conta a atriz, que há cerca de dez anos foi diagnosticada com mal de Parkinson e, devido a uma artrose nos joelhos, hoje se locomove com o auxílio de uma cadeira de rodas.

No início do ano passado, em meio ao processo criativo do espetáculo, ao lado de seu grupo, o Pândega, Maria Alice teve um derrame e precisou ser internada. A companhia brinca que esse foi uma espécie de workshop para "Why the Horse?".

"Nós íamos visitá-la no hospital e o assunto era a peça. Era uma forma de ela dirigir", diz o ator Luciano Chirolli, parceiro profissional de Maria Alice há 23 anos.

Adriano Vizoni/Folhapress
Ensaio da peca
Ensaio da peca "Why the Horse", dirigida por Maria Alice Vergueiro

A partir daí os integrantes do grupo –além de Chirolli e Maria Alice, estão em cena Alexandre Magno, Carolina Splendore e Robson Catalunha– começaram a conceber cenas baseadas em seus sentimentos de frustração.

"A gente está diante de um assunto que ainda é tabu para muitos. Achamos que essa dor e essa possível perda seriam um mote bom para a peça", conta Chirolli.

O resultado é um espetáculo com pouco texto, sem linha narrativa definida e com aspectos que flertam com o surreal e o absurdo. Sobre um palco coberto de talco, os atores destilam seus sentimentos de perda e o fim iminente. Ao fundo, as paredes exibem 200 lápides, com nomes de personalidades que já morreram.

"Why the Horse" traz também referências a "Fim de Jogo", espetáculo do irlandês Samuel Beckett (1906-1989), a escritos da paulista Hilda Hilst (1930-2004) e à obra surreal do chileno Alejandro Jodorowski —cujo texto "As Três Velhas" foi montado por Maria Alice em 2010.

Ainda que a temática seja dura, contudo, a atriz não perde seu característico tom de deboche. Em uma passagem, quando dois atores se digladiam por um naco de carne —como se, de um modo primitivo, disputassem seu amor- Maria Alice dispara: "Um pedaço de carne. Deve ser Friboi".

"Fiquei pensando sobre os espectadores e sobre a importância [desse tema]. E pensei: 'Será que a morte não tem também uma coisa engraçada?'", discorre a encenadora.

O nome do espetáculo também surgiu de uma ironia. Há oito anos, Maria Alice levou para casa um burrinho cenográfico, que seria usado em uma montagem. Sua mãe, já idosa, ao ver o animal na sala do apartamento, perguntou: "Por que o cavalo?".

A frase virou sinônimo de tudo o que não faz sentido. Na peça, a sentença ganhou versão em inglês para enfatizar o nonsense da produção. O fatídico burro entra em cena em "Why the Horse?"

Maria Alice tem uma carreira versátil. Estreou profissionalmente com "A Mandrágora" (1962), dirigida por Augusto Boal (1931-2009), integrou o Teatro Oficina e, nos anos 1970, fundou o irreverente Teatro Ornitorrinco ao lado de Luiz Roberto Galízia e Cacá Rosset.

Em 2006, ficou famosa sua atuação no bem-humorado curta-metragem "Tapa na Pantera", de Rafael Gomes, no qual interpreta uma senhora que discorre sobre sua relação com a maconha.

Para ela, "Why the Horse?" é também uma discussão sobre o teatro (e de sua morte, quem sabe?) e sobre o seu trabalho. "Eu quero ser levada a sério. E, para isso, eu tenho que morrer", brinca.


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