Folha de S. Paulo


Ingresso do Rock in Rio é R$ 90 mais caro que valor aprovado pelo MinC

Quem assistiu à primeira edição do Rock in Rio, em janeiro de 1985, pagou preços variados: em outubro de 1984, o valor do ingresso era de Cr$ 16 mil por dia (equivalente a 9,6% do salário mínimo da época); em janeiro, a entrada saltou para Cr$ 28 mil (ou 16,81% do salário mínimo).

A explicação para o aumento era a inflação, 224% ao ano. Trinta anos depois, a inflação –agora na casa dos 7,7% anuais– não leva o valor a oscilação tão grande.

O problema agora é outro: a Rock World, organizadora do evento, anunciou que vai cobrar R$ 350 (44% do salário mínimo atual) para cada um dos dos sete dias do festival. Isso é 34,6% acima da cifra de R$ 260 que consta no projeto aprovado pelo Ministério da Cultura em 2014.

Editoria de Arte/Folhapress

O compromisso de cobrar R$ 260 (33% do salário mínimo) no ingresso cheio e R$ 130 na meia-entrada está no projeto em que a Rock World solicitou liberação para captar, via lei de isenção fiscal, mais de R$ 23,3 milhões.

Depois de enxugar a planilha, o MinC aprovou o valor de R$ 18,3 milhões –pouco mais de 10% da estimativa do total do custo do evento, na casa de R$ 180 milhões. Até a conclusão da reportagem, a organização havia captado R$ 4,04 milhões e tem até 30 de novembro para conseguir o restante.

NÃO AUTORIZADO

Cerca de cinco meses depois da aprovação, de acordo com documentos do MinC, a Rock World solicitou a alteração dos valores dos ingressos, que aumentariam para R$ 320 (inteira) e R$ 160 (meia).

Mas, antes de qualquer resposta, em 18 de novembro a Rock World fez pré-venda on-line de 100 mil ingressos e cobrou R$ 320 e R$ 160, respectivamente. Em uma hora e 40 minutos, as entradas estavam esgotadas –55% sendo ingressos cheios, de acordo com a assessoria do festival.

É possível estimar que a pré-venda tenha gerado um excedente de R$ 4,65 milhões –o valor oficial ainda será calculado pelo MinC.

A cobrança foi indevida, de acordo com Danilo Freire, advogado especializado em direito público. "A portaria que autoriza a captação de recursos incentivados não pode ser alterada apenas por um dos lados envolvidos", diz. "Assim, se o beneficiário do incentivo altera o valor dos ingressos sem a prévia anuência do ministério, descumpre a legislação e fica sujeito às penalidades nela previstas."

Uma norma de 2013 determina tais penalidades: a impossibilidade de continuar com a captação é uma delas. "Outra possibilidade seria a revogação da portaria que autoriza a captação", diz Freire. "O destino natural dos recursos já captados seria o FNC (Fundo Nacional da Cultura)."

Em fevereiro de 2015, o MinC não aceitou o pedido de aumento da Rock World. Conforme documentos do ministério, a organização do festival não apresentou justificativas para a mudança.

"O indeferimento foi informado somente depois de a pré-venda já ter acontecido", justifica a assessoria da Rock World. "Já entramos em contato com o MinC para esclarecer a questão" (texto acima).

O MinC notificou a Rock World pelo que considerou aumento indevido e está exigindo a devolução do valor cobrado em excesso. Também observou que o desconto de 15% a clientes do banco Itaú (patrocinador sem Lei Rouanet) caracteriza vantagem indireta, o que é vetado.

De acordo com o advogado Freire, o destino do excedente deveria ser outro: o bolso dos clientes. "Entendo que aqueles que já adquiriram ingressos poderão pedir o ressarcimento da diferença com base no Código de Defesa do Consumidor, por cobrança indevida. Isso pode ser feito via Procon ou judicialmente."

Caso não haja a devolução dos recursos conforme pedido do MinC, a Rock World pode ser posteriormente considerada inadimplente, o que levaria a uma ação do Tribunal de Contas da União.

A Rock World tem até 7 de abril, terça que vem, para prestar esclarecimentos. Mas não parece intimidada: aos portadores do cartão platinum do banco patrocinador, Itaú, está aberta a venda on-line de ingressos a R$ 350 a inteira e R$ 175 a meia, além de promoção com 15% de desconto (R$ 297,50) para clientes.

A venda para o público geral ainda não tem data definida. Mas deve acontecer neste mês de abril.

Seguindo a margem apontada pela Rock World –45% de meias-entradas–, o excedente irregular na venda das 595 mil unidades para os sete dias de evento será superior a R$ 39 milhões.


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