Folha de S. Paulo


Mestre da arte conceitual, Daniel Buren leva suas obras coloridas ao Rio

No terraço da galeria Nara Roesler, perto da praia de Ipanema, no Rio, Daniel Buren mostra a única obra de sua exposição que deixa de existir quando o sol vai embora. São filtros coloridos nas claraboias que projetam estilhaços de cor pelas paredes, listras que vão se avolumando até desaparecer no fim do dia.

Esse francês entrou para a história ao levar a pintura a seu chamado "grau zero", desbastando tudo até chegar a listras e formas geométricas.

Um dos mestres da arte conceitual, Buren, 77, despontou na cena parisiense nos anos 1960, em paralelo à revolução que os minimalistas conduziam em Nova York, também tentando reduzir a obra de arte à sua essência, ou seja, criar algo, como defende o francês, "sem sentimento ou afeto".

François Guillot - 8.mai.2012/AFP
O artista francês Daniel Buren
O artista francês Daniel Buren

Inquieto e iconoclasta, ele demorou a ser digerido pelo circuito francês, mas aos poucos foi chamando a atenção do mundo -esteve em três edições da Documenta, em Kassel, na Alemanha, 11 vezes na Bienal de Veneza e outras duas na de São Paulo. Paris, por fim, engoliu o homem das listras.

Há três anos, Buren mergulhou o Grand Palais, na capital francesa, numa avalanche de cores, instalando filtros coloridos pelo espaço. Foi uma de suas maiores mostras antes de sua vinda ao Rio.
Na galeria carioca, Buren repassou sua carreira em entrevista à Folha. Leia a seguir alguns trechos da conversa.

*

Folha - De onde vem sua obsessão com as listras coloridas?
Daniel Buren - Isso começou com uma investigação muito particular e precisa da pintura, em especial pela minha vontade de reduzir a pintura à sua essência. Queria algo sem nenhuma expressão, sem sentimento.

Essas listras vêm de tecidos usados na França em toldos que vemos pelas ruas. Era interessante porque ao transformar isso em pintura eu conseguiria fazer algo frio e insensível, mas bem claro.

É isso que você entende como o "grau zero" da pintura?
Já se falava em "grau zero" da literatura. Retomei essa expressão para falar também da pintura, uma pintura que só representasse seus próprios elementos estruturais, aquilo que fosse o mais irredutível.

É a pintura de uma cor só, sem variações, o mais próximo da cor pura. Isso é o grau zero, algo sem afeto, que não mostra uma imagem. Se você pinta uma flor, está falando daquela flor. Se faz um retrato, está falando daquela pessoa. Quis reduzir tudo ao que há de intrínseco à visão, a só uma forma no espaço.

Essa é uma vontade da arte ao longo de todo o século 20. Cézanne queria falar da pintura, não do mundo nem das suas paisagens. Malevitch é isso. Mondrian é isso.

Mas você ficou famoso só depois de fazer intervenções com listras coloridas pelas ruas de Paris. Por que levar essa pesquisa para fora dos museus?
Depois de refletir muito sobre o comportamento da pintura, cheguei à conclusão de que esse discurso do "grau zero" não seria possível dentro de um espaço feito para mostrar arte. Era preciso sair do museu ou da galeria para ver como isso poderia afetar o mundo real. Tem um pouco a ver com o princípio do grafite, que surgiria só depois.

Era essa a ideia quando cobriu os anúncios publicitários de Berna durante a famosa mostra "Quando Atitudes se Tornam Forma", organizada por Harald Szeemann em 1969?
Não fui convidado para a exposição, mas todo mundo que me interessava no momento estava lá. Era a hora de assumir uma posição, então eu fui a Berna mesmo assim expor minhas obras nas ruas. De repente, aquilo virou uma sensação. Minha obra foi a mais comentada da mostra, mesmo estando fora dela.

Na ocasião, você chegou a ser preso por isso, não foi?
Fui denunciado por um taxista que anotou a placa do carro que aluguei. Como a cidade não era muito grande e os anúncios eram pequenos, certinhos, bem limpinhos, muito suíços, decidi cobrir tudo com o meu trabalho. Toda a publicidade foi apagada.

Mas a polícia foi me buscar depois no hotel, dizendo que não me deixariam ir embora antes que eu limpasse tudo. Não fiz nada e peguei o primeiro trem de volta para casa.

Isso lembra o que houve em Nova York, quando sua obra foi censurada no Guggenheim.
Na ocasião, meus colegas minimalistas, Dan Flavin e Donald Judd, ficaram irritados com o meu trabalho, que diziam ofuscar o deles. A obra chamou a atenção, mas foi retirada antes da abertura. Foi um dos maiores escândalos da história do museu.

Teria sido bem melhor se o trabalho fosse visto. Minha obra nunca esteve a serviço do escândalo. Queria problematizar aspectos da pintura, enquanto o escândalo é fruto da estupidez do museu e dos artistas que se achavam os reis de Nova York na época. Eles passaram o resto da vida desmentindo esse fato.

Desde esse episódio no Guggenheim, sua obra tem um diálogo muito forte com a arquitetura. Como vê essa relação?
Tudo o que eu faço é criar um lugar. Tento criar situações em que estamos ao mesmo tempo dentro e fora da obra. E, com as transparências, temos um objeto duplo, o real e o virtual. Estamos sempre dentro de um volume, mas quando uma obra some com o sol, estamos falando de uma questão temporal.

Essa relação, aliás, vem se intensificando no seu trabalho.
Sempre tento criar obras usando a entrada da galeria ou as vidraças. Isso mostra que o museu é um artifício. Não é só porque estamos dentro de um lugar onde tudo é elétrico que o sol não existe mais e que não há mais natureza.

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da galeria Nara Roesler.

DANIEL BUREN
QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 15h; até 2/5
ONDE galeria Nara Roesler, r. Redentor, 241, Rio, tel. (21) 3591-0052
QUANTO grátis


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