Folha de S. Paulo


Crítica: Releituras intensificam 'Sagração da Primavera' em Curitiba

Obra fundamental do balé moderno com coreografia de Vaslav Nijinsky e música de Igor Stravinsky, "A Sagração da Primavera" completou cem anos em 2013.

Dois anos se passaram, e o espetáculo dinamarquês "Rite of Spring - Extended", releitura criada pelo grupo dinamarquês Granhøj Dans por ocasião das comemorações, aportou no Festival de Curitiba para sessões no sábado (28) e no domingo (29).

Com elenco que tem a particularidade de ser inteiramente composto por homens, a peça não veio desacompanhada. Mais recentemente, o Granhøj Dans criou também "Rose: Rite of Spring - Extended 2", versão com mulheres.

Apresentadas juntas aqui, ambas as coreografias assinadas por Palle Granhøj conjugam-se no espetáculo "Double Rite", compondo uma peça de espírito juvenil amparada por exercícios de dança-teatro, com soluções mais precárias do que vulgares e que deixam uma margem de dúvida enorme em relação à rigidez de sua natureza narrativa.

Tanto na partitura gestual como no figurino composto por calças jeans, ternos, malhas esportivas e outras peças de uso ordinário, a peça dá espaço para símbolos masculinos e femininos sem evitar clichês elementares.

Uma luva de boxe é usada por um bailarino solista, por exemplo; sapatilhas são devidamente arrancadas dos pés por um coro feminino, espécie de protesto adolescente, ação alusiva à ruptura com o modelo acadêmico proposta por Nijinsky no original.

Na estreia em 1913, em Paris, a plateia protestou contra a assimetria rítmica da composição de Stravinsky e a "deselegância" nos movimentos bruscos propostos por Nijinsky para a criação de um relevo desarmonioso representando as pulsões da fertilidade.

Enquanto a peça original encena um ritual pagão, em que uma menina deve ser sacrificada em oferta de boas-vindas à primavera, a releitura dinamarquesa mantém a simbologia do sacrifício como presença inequívoca da pulsão de morte, em que os corpos se debatem para se desvencilhar da castração.

A montagem, contudo, representa com mais ênfase uma ordem social em que os machos exigem de outros machos um comportamento viril e em que as fêmeas lutam contra etiquetas morais e cívicas decalcadas no próprio papel da fertilidade.

A alusão à natureza e aos ímpetos sexuais parece aqui mais contraída.

Ao repetirem em voz alta, ou por meio de percussão com bastões de madeira, ou ainda com palmas, compassos quebrados da música original de Stravinsky, os bailarinos reiteram a presença de uma ordem cíclica ininterrupta.

Falta, no entanto, organicidade nas passagens de uma cena para a outra. Rígido, o espetáculo permanece demasiadamente no espaço de uma representação convencional.

O jornalista GUSTAVO FIORATTI e a fotógrafa LENISE PINHEIRO viajaram a convite do Festival de Curitiba.


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