Folha de S. Paulo


Acho que estaria desempregado se não fossem as mulheres, diz Nick Hornby

Nick Hornby, o cultuado escritor inglês de "Alta Fidelidade" e "Um Grande Garoto", está lançando o novo livro, "Funny Girl", que sai nesta semana no Brasil pela Cia. das Letras.

A divertida história de uma garota linda dos anos 1960 que luta contra preconceitos e estereótipos para virar uma comediante sai cinco anos depois de "Juliet, Nua e Crua", maior intervalo na carreira do autor –que aproveitou o período para escrever roteiros de cinemas, como "Livre".

Em uma entrevista concedida por e-mail, Hornby explicou as origens de "Funny Girl", mas aproveitou para revelar um pouco mais sobre o futuro que nunca leremos do seu protagonista de "Alta Fidelidade", seu público feminino fiel, novos projetos para cinema e TV e, claro, futebol.

O escritor de "Febre de Bola" se disse chocado com a seleção brasileira na Copa: "O jogo contra a Alemanha foi terrível de ver, foi como assistir a um acidente de carro."

Danny Moloshok/Reuters
O escritor inglês Nick Hornby, durante estreia do filme 'Livre'
O escritor inglês Nick Hornby, durante estreia do filme 'Livre'

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Folha - Como Rosamund Pike tornou-se a inspiração para "Funny Girl"?

Nick Hornby - Trabalhei com ela em "Educação" e foi maravilhosa. Depois das filmagens, ela me disse que ninguém a deixava ser engraçada. Comecei a pensar sobre isso e como várias mulheres de certa aparência acabam tendo permissão para trabalhar somente em determinadas coisas.

Por que o interesse nos anos 1960?

"Educação" ajudou. O filme acaba em 1963 e o livro começa em 1964. Mas, originalmente, o que despertou a ideia de situar o livro na década de 1960 foi o último capítulo. Mas não vou estragar para seus leitores. É uma questão de matemática.

Você usa a televisão como objeto de representação das mudanças sociais e políticas na Inglaterra. Seria inspirado nos trabalhos de David Kynaston?

Não sei se inspiração é a palavra correta. Porém, nos últimos anos, Kynaston me ajudou a pensa diferentemente sobre como os países mudam -sobre história, na verdade. Ele mostra que os esportes e a cultura têm muito para revelar como nos desenvolvemos e, imagino, comecei a ver como uma simples sitcom poderia significar muito mais que qualquer um imagina.

Participei de um evento com sua presença em Pasadena, Califórnia, e notei que o local estava tomado por mulheres. E seus dois últimos livros possuem uma protagonista feminina. Até seus filmes envolvem personagens mulheres, como "Livre" e "Educação".

Essa mudança de ritmo veio naturalmente ou você quis mostrar a si mesmo que poderia escrever sobre mulheres como escrevia sobre homens?

O fato do evento em Pasadena estar tomado por mulheres não é significativo. Aliás, colocando de outra maneira, elas não estavam lá porque eu estou escrevendo mais sobre mulheres recentemente. Já faz bastante tempo que elas frequentam minhas leituras. A triste verdade é que os homens não se interessam da mesma maneira por ficção, então se alguém se propõe a ir nestes tipos de evento a grande chance é que seja uma mulher.

A mudança que você percebeu no meu trabalho foi completamente natural. Começou provavelmente com "Como ser Legal", no início do século, e atualmente estou interessado nas histórias sobre mulheres –porque elas não são contadas com tanta frequência, então parecem novas.

Você percebe a ironia de que o sujeito que escreveu "Alta Fidelidade", uma das Bíblias do homem moderno, é idolatrado por uma plateia feminina?

Como falei anteriormente, eu provavelmente estaria desempregado neste momento se não fossem as mulheres.

Você assiste à muita televisão hoje em dia?

Sim -o tempo todo, porque nos últimos 10, 15 anos, a televisão ficou genial. "A Família Soprano", "Friday Night Lights", "The West Wing", "The Wire", "Orange is the New Black"... provavelmente é onde os melhores roteiros estão hoje. Talvez até mesmo tenha os melhores escritores.

No evento em Pasadena, você falou que não tem nada a ver com a adaptação de "Um Grande Garoto" para a TV americana. Isso o incomoda?

Sempre acho que o pessoal do cinema e da televisão poderia se dar ao luxo de serem mais educados. Mas não me incomodo. Eu queria gostar mais da série, mas quando você decide vender os direitos de seu trabalho, não existe mais controle.

Agora que você também é um roteirista famoso em Hollywood e sabe como o jogo funciona, consegue ter mais controle sobre seu trabalho? Ou é possível que alguém diferente adapte "Alta Fidelidade" para a televisão sem sua permissão?

Eu acredito que uma série baseada em "Alta Fidelidade" é possível –os direitos foram vendidos há muito tempo. Mas tenho bons agentes, que sabem o que estão fazendo. A maioria das vezes em que vendemos direitos de adaptação para cinema ou televisão, nada acontece. Filmes não saem, séries não entram em produção. Basicamente, você recebe dinheiro por causa de nada. Então não dá para reclamar quando isso acontece em demasia.

Você escreveu na "Billboard" sobre o futuro dos protagonistas de "Alta Fidelidade". No texto, menciona que pensa numa continuação de tempos em tempos. Isso ainda é possível?

Ouvi algumas boas sugestões desde que escrevi esse artigo -os personagens ainda estão vivos nas mentes das pessoas que leram "Alta Fidelidade". Mas, não. Acredito que sequências são normalmente uma má ideia.

Você disse que imagina Rob e Laura divorciados. Por quê? O amor eterno não existe como as músicas prometem ou é a ideia de que o amor muda quando amadurecemos?

Não sei se eles (Rob e Laura) tinham o tipo de relacionamento que prometia amor eterno! Rob definitivamente encontrou uma maneira de seguir em frente no fim do livro, mas havia diversos sinais de "perigo" no relacionamento deles. Rob certamente teria achado o inevitável sucesso profissional de Laura bem difícil de lidar, principalmente se ele nunca tiver achado algo que preencha suas ambições.

Há alguma chance de "Juliet, Nua e Crua" ou "Funny Girl" virar filme em breve?

Há planos para um filme baseado em "Juliet, Nua e Crua" -pelo menos, alguém comprou os direitos há algum tempo e sei que não ele não desistiu de filmar. E "Funny Girl" será uma série de TV, provavelmente. Pelo menos é como a vejo.

Você escreveu "Livre" no meio do processo de criação de "Funny Girl". Como foi isso?

Foi bem. Levei um tempo para me reconectar com o livro depois do roteiro, mas não podia deixar passar a chance de adaptar "Livre" ou trabalhar com Reese [Witherspoon, atriz do filme]. Eu amei o livro e podia notar que Reese estava determinada a fazer o longa. Agora que as duas coisas estão terminadas e soltas no mundo, estou feliz de ter tomado essa decisão.

Você ainda acha que a música é capaz de definir alguém com tantas opções de streaming?

Ah, mas alguém ainda precisa escolher o que ouvir -e é essa escolha que define a pessoa. Muitas pessoas escolhem espalhar seus gostos pelas redes sociais, então acho que é mais fácil julgar. Você não precisa entrar mais na casa de alguém para saber o que ela curte de música.

Como amante de futebol, qual foi sua reação quando o Brasil perdeu para a Alemanha por 7 a 1 na última Copa do Mundo?

O jogo contra a Alemanha foi terrível de ver, foi como assistir a um acidente de carro. Acho que muitas pessoas se chocaram com o Brasil, não apenas naquela noite, mas no torneio inteiro. Como era possível que o país que ama o futebol, o país de Pelé, Zico, Ronaldo e Sócrates, um país com 200 milhões de pessoas, produzir um time tão retraído?

Bem, não vou citar o nome especificamente de nenhum daqueles pobres jogadores, mas aquela partida deixou vários de nós bem tristes.


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